“MÁQUINAS MORTAIS” – Poderia ser pior
Mesmo parecendo uma definição neutra, não há melhor forma de qualificar MÁQUINAS MORTAIS como um filme pós-apocalíptico baseado em um best seller. E a neutralidade é coerente com sua qualidade, tendo em vista que o longa é apenas fraco, mas não ruim. Isso mesmo: a produção não chega a ser ruim, porém sua fragilidade impede maiores elogios.
Em um futuro em que a humanidade quase foi extinta na que ficou conhecida como “Guerra dos Sessenta Minutos”, as poucas cidades remanescentes ficaram conhecidas como “Cidades Tração”, deslocando-se de um lugar a outro em busca de recursos naturais. No filme, Tom, morador de Londres, conhece a misteriosa Hester, que vem de uma pequena cidade mineradora. Fã de Thaddeus Valantine, Tom está prestes a descobrir que seu ídolo, que tem importante função na cidade, esconde segredos bem obscuros.
Tom e Valentine representam o maniqueísmo da obra: nobre, idealista e ingênuo, o primeiro tem sua visão de mundo ampliada ao conhecer Hester, por quem se afeiçoa em razão da sua bondade, não conseguindo abandoná-la durante a jornada sequer para salvar a si mesmo; o segundo é a concretização da sede de poder, não se podendo afirmar que seja completamente unidimensional em razão da faísca de afeto que nutre por sua filha, Katherine.
Tom é vivido pelo irlandês Robert Sheehan, que se salva mais pelo carisma atrapalhado do que pelo talento. Quem interpreta Valentine é o experiente Hugo Weaving, distante do seu auge, mas que sobra no papel, consideravelmente singelo para um ator da sua envergadura. Já a Katherine de Leila George D’Onofrio é sofrível; seu trabalho, que já é ruim, consegue piorar ao lado do inexpressivo Ronan Raftery, que atua como Bevis. E o problema está na atuação e não no tamanho do papel, já que Jihae Kim é um pouco melhor com o minúsculo material que tem.
Além de Weaving, outro desperdício no elenco está em Stephen Lang no papel de Shrike: além de paradoxal, a personagem tem um desfecho clichê. Como se não bastasse, seus atos na trama são questionáveis: como ele consegue saber onde Hester está? Como ele a alcança tão rápido tendo um passo tão lento? Aliás, o roteiro tem mais de um momento inverossímil (mesmo considerando a suspensão da descrença): como Valentine consegue, mesmo ferido, chegar a um local antes de seus guardas? Por que Katherine demora tanto para chegar lá? Há um momento em que até mesmo uma personagem reconhece as facilitações do texto ao dizer “que sorte”. Nem parece um roteiro escrito por Peter Jackson, em conjunto com Philippa Boyens e Fran Walsh (baseados na obra de Philip Reeve).
Por outro lado, a islandesa Hera Hilmar está ótima como Hester, traduzindo uma jovem ferida por dentro e por fora, cuja motivação está em um rancor que respinga em todas as pessoas que dela se aproximam. Sem dúvida, é a personagem mais consistente da película. A trama tenta dar um tom épico à produção, sem êxito, principalmente pelo desnível dos arcos das personagens (o arco de Katherine, por exemplo, é muito mal construído) – sem olvidar um final piegas. Também não tem êxito ao inserir romance.
Apesar das fragilidades mencionadas no script, o texto é robusto na sua própria mitologia – o que indica que o livro deve ser bom. O duelo entre tracionistas e antitracionistas é uma metonímia eficaz para a divisão da sociedade; da mesma forma, a comemoração do povo quando uma cidade menor é englobada pela maior é símbolo do prazer sádico pela opressão alheia.
Existe ainda um discurso afiado sobre a importância de se estudar a História da humanidade (a fala “a História não importa, está morta” é o momento mais claro em que esse entendimento é, por assim dizer, vilanizado). Nesse sentido, as ironias em relação ao comportamento das pessoas são inteligentes: apesar de a civilização ter evoluído mais de mil anos, essa evolução ocorreu apenas do ponto de vista cronológico, pois o que compõe a natureza humana não se extingue – por exemplo, a invisibilidade de alguns setores sociais (e o privilégio de outros), o apreço por instrumentos bélicos e a disputa pelo poder. A referência a crianças temporariamente separadas dos pais não poderia ser mais real.
Vencedor do Oscar de Melhores Efeitos Visuais por “King Kong” (2005), o diretor Christian Rivers não decepciona nesse quesito, embora não tenha elaborado nada deslumbrante na obra. A pouca profundidade de campo prevalece, o que prejudica o 3D, flagrantemente desnecessário. As cenas de fuga são cansativas, enquanto as de luta são muito mal executadas (nesse caso, a câmera movimentada, o exagero de cortes, a filmagem próxima e a coreografia ruim são elementos típicos de um diretor que não sabe filmar esse tipo de cena). O design de produção é razoável (em especial nas referências à tecnologia hodierna), enquanto a trilha musical de Junkie XL é demasiada óbvia.
“Máquinas mortais” não é um descalabro, mas uma história não muito inovadora em visão macro em um filme injustificadamente longo. Isso não é exatamente um elogio, mas poderia ser pior.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.