“LIONHEART” – Pálida mensagem
Um exemplar do cinema nigeriano produzido pela indústria cinematográfica do país, Nollywood, ganha o mundo distribuído pela Netflix em 2019: LIONHEART. O filme procura passar uma mensagem feminista sobre a luta das mulheres por seu espaço na sociedade, porém desperdiça a força de sua temática. A maneira superficial como aborda sua questão central e o tangenciamento de muitos subplots, sem tanta importância para a narrativa principal, prejudicam a concretização de sua proposta e de seus objetivos.
A premissa coloca um desafio complexo para a protagonista Adaeze: provar que tem condições de suceder o pai doente na direção da empresa de transporte Lionheart; a tarefa se torna mais árdua quando seu pai nomeia o irmão dele para o cargo e quando a empresa mergulha em uma crise financeira. O filme se constituiu como uma comédia dramática incapaz de ser bem sucedida nos momentos de humor, uma vez que as piadas parecem tão ensaiadas que não soam naturais (é possível perceber quando estão sendo feitas, porém o timing para sua construção é inexistente). O tio de Adaeze seria o principal responsável pelo humor da narrativa, já que ele não combina com o trabalho e age de forma inusitada (reunindo os funcionários para uma oração no início do turno e preferindo ter uma sala improvisada no corredor a um espaço tradicional); porém, o texto dado ao ator Nkem Owoch rapidamente se torna formulaico e repetitivo.
Tenta-se construir a comédia também através do figurino e da trilha sonora. Notas ritmadas produzidas por piano são usadas em situações específicas para criar humor, contudo se a cena em si não é engraçada, a trilha se transforma em um acessório fora de lugar. Já o figurino pensado para o tio Godswill tenta colocá-lo como um peixe fora d’água por ser o único a se vestir informalmente na transportadora (roupas leves, óculos escuros e chapéus); nesse caso, o mesmo problema de um roteiro cansativo para o personagem torna a piada pelo estranhamento do vestuário desgastada.
Mesmo o drama de seu enredo não é trabalhado a contento pela diretora e também atriz principal Genevieve Nnaji. No cargo de direção, ela tem dificuldade em manter o ritmo narrativo por conta dos vários caminhos seguidos pelo filme (a maioria deles desnecessário): as primeiras sequências mostram Adaeze como diretora da empresa, no futuro, tendo que enfrentar uma milícia local – esse trecho se revela completamente deslocado do restante da obra porque não é bem explicado e nem sequer citado novamente; em seguida, a cineasta não sabe se quer desenvolver a luta da personagem por espaço profissional, a disputa da empresa com uma concorrente por um projeto de infraestrutura, os desafios da recuperação da saúde financeira da Lionheart ou as relações familiares de Adaeze.
No trabalho de atriz, Genevieve Nnaji não tem muito material para conferir à personagem a personalidade forte necessária para lutar contra os preconceitos sociais e as adversidades econômicas. Por deficiências de um roteiro tímido em explorar o tema, as questões de afirmação da mulher na empresa e na sociedade e de combate ao machismo e à desconfiança quanto às suas capacidades são colocadas muito discretamente. Enquanto isso, o arco em que ela precisa se esforçar para se sentir admirada pelo pai é mais bem desenvolvido e oferece uma boa dinâmica entre seus familiares.
O ponto forte da produção é a fotografia feita Yinka Edward. O seu trabalho se destaca por mostrar as belas paisagens do país e, assim, localizar as áreas por onde os ônibus da empresa trafegam para transportar os passageiros – os planos gerais, além de visualmente belos, também sintetizam em imagens uma parte importante da narrativa, o trabalho da transportadora. Além disso, os enquadramentos valorizam as cores e a vida do cotidiano daqueles habitantes, dando um toque realista à câmera, que registra as pessoas comuns em seus próprios afazeres e negócios.
“Lionheart” até se dispõe a fazer uma crítica necessária ao machismo contemporâneo e a ressaltar a importância da luta das mulheres pelo espaço que escolherem para si. Porém, a disposição não é garantia de sucesso na execução – o resultado seria outro caso se comunicasse mais explicitamente e dispensasse algumas subtramas e assuntos periféricos. Nos tempos de hoje, trazer uma mensagem mais contundente é não só importante, como fundamental.
Um resultado de todos os filmes que já viu.