“A PRINCESA E A PLEBEIA” – Feito às pressas e descuidadamente
Encorpar seu próprio catálogo é uma faca de dois gumes para a Netflix: pode ser uma forma de redução da dependência em relação a outras empresas (caso dos filmes da Disney) e, ao mesmo tempo, uma prática de desmerecimento da qualidade em favor da quantidade. A PRINCESA E A PLEBEIA é o mais novo exemplo de como produzir seu próprio conteúdo às pressas tem tudo para ser prejudicial. Aproveitando-se do período do Natal, a comédia romântica apenas tenta tornar agradável uma narrativa clichê sobre a troca de pessoas em universos diferentes.
O filme se inicia com a decisão da confeiteira Stacy em participar de uma competição culinária no reino de Belgravia. Na região, ela se depara acidentalmente com uma sósia perfeita, a Duquesa Margaret, e aceita a proposta de trocar de lugar por dois dias com a aristocrata. O plano enfrenta problemas quando elas se apaixonam por homens que desconhecem a situação. A marca registrada da produção é a previsibilidade da trama e do desenvolvimento dos personagens, marcada por fórmulas desgastadas e facilmente antecipáveis pelo público. A estrutura do roteiro é tão clichê e padronizada que não consegue fugir de um excesso de diálogos expositivos (conversas que verbalizam elementos dramáticos ao invés de mostrar) e edificantes (frases que motivam ou passam alguma lição de moral sobre mudar os rumos da vida).
Além dos diálogos esquemáticos, a história também sofre com convenções enrijecidas e previsíveis. O espectador já sabe o que esperar de um enredo tão visto como é aquele construído em torno de personagens trocando os mundos onde vivem e passando por dificuldades de adaptação. A partir daí, são vários os problemas: as sequências de humor não apresentam nenhuma novidade criativa; as motivações para justificar a troca não são críveis (a duquesa, inesperadamente, quer se aproximar de um modo de vida comum; e Stacy abandona sua rigidez organizadora por uma espontaneidade surpreendente para aceitar a ideia de uma desconhecida); e as transformações vividas pelas duas personagens e que impactam os ambientes em que estão, graças ao contato com o Príncipe Edward e com o confeiteiro Kevin, são também previsíveis.
A falta de uma trama minimamente interessante prejudica os personagens e seus atores. Vanessa Hudgens interpreta duas personagens apenas de modo operante, conseguindo diferenciá-las, mas não tendo brilho ou carisma para suscitar uma identificação para a simples confeiteira Stacy ou para a aristocrata Margaret (como ponto negativo está o sotaque britânico excessivamente empolado feito para a duquesa). Nick Sagar interpreta o amigo de Stacy, Kevin, simplesmente como um personagem unidimensional, que se resume a ser um sujeito simpático e companheiro. Já Sam Palladio, que vive o Príncipe Edward, não consegue expressar as camadas e as mudanças atravessadas pelo personagem (por menores que elas sejam).
Porém, o desenvolvimento do roteiro não é o único aspecto equivocado do filme. Os elementos da linguagem cinematográfica não parecem ter sido pensados, mas apenas executados às pressas de qualquer maneira. O design de produção é estéril, não conseguindo aproveitar o orçamento para diferenciar os cenários comuns da confeiteira e opulentos da nobreza criativamente – ainda é possível perceber a má utilização de efeitos visuais na criação das locações, mostrando a artificialidade e a precariedade de recursos feitos apressadamente em estúdio. A direção de Michael Rohl apresenta muitos planos desnecessários das reações da governanta Mrs. Donatelli e do funcionário real Frank aos acontecimentos – esses planos são tentativas de humor fracassadas por serem usadas à exaustão e sem uma expressividade suficiente dos atores. E a montagem, além de utilizar tais planos frágeis, não aproveita o potencial de alternância entre as situações vivenciadas por Stacy e Lady Margaret para criar rimas dramáticas sobre o que acontece com elas.
A fragilidade estilística que mais se sobressai, mesmo ao olhar mais desatento, é a trilha sonora. Os acordes produzidos pelo piano para indicar os sentimentos de cada cena são infantilizados e caricaturais: as notas em um ritmo exageradamente melódico para construir a sensação de romance; em um ritmo dinâmico para estabelecer um humor supostamente inocente, que acaba se tornando bobo; e os sons que remetem a sinos para criar momentos edificantes ligados à magia do Natal. Ao tentar reforçar a atmosfera de cada segmento da narrativa, a trilha sonora toma o primeiro plano e chama demais a atenção para si mesma.
“A princesa e a plebeia” tem um desfecho que foge do senso comum e confere um frescor à estrutura da comédia romântica. O problema é a construção dos dois primeiros atos como preparação para essa conclusão. De nada adianta o filme apresentar um final elogiável pela quebra de expectativa se o caminho até chegar lá é marcado por tantos clichês batidos, desinteressantes e pela impressão de descompromisso na construção da narrativa.
Um resultado de todos os filmes que já viu.