“DE REPENTE UMA FAMÍLIA” – Estou tão feliz por ter te encontrado, não vou te perder
Para quem gosta de filmes extremamente adocicados, DE REPENTE UMA FAMÍLIA é uma indicação sem erro. Misturando um pouco de comédia com um suave drama comum, a bem-intencionada e previsível produção é simplista nas temáticas que aborda, mas pode ser capaz de emocionar uma plateia sensível a elas.
Mark Wahlberg e Rose Byrne interpretam Pete e Ellie, um jovem casal que decide adotar uma criança. Durante o procedimento preparatório da adoção, eles conhecem Lizzy, uma adolescente de personalidade forte que – justamente por isso – os encanta. Como os laços não podem ser cortados, o casal acaba aceitando adotar também os dois irmãos mais novos de Lizzy, começando uma nova fase de suas vidas com três novos integrantes na família de uma só vez.
Do ponto de vista dramático, Byrne é uma atriz muito melhor que Wahlberg, que é apenas experiente. Entretanto, claramente o papel dele tem mais relevância na trama: enquanto Ellie é apenas emoção – seja para brigar com as crianças, seja para se comover com elas -, Pete é razão e emoção. Não é à toa que a ele cabe a decisão de adotar, pois ela cede quando ele diz não e ele somente cede quando se comove com o que vê no computador dela. Ellie consegue um momento bastante terno com Lizzy, penteando seu cabelo, mas é Pete quem tem a ideia de como acalmar a adolescente, além da ideia de conversar com uma jovem que conheceram em uma palestra. A dúvida que fica é: seria o roteiro de Sean Anders e John Morris machista ou a intenção era privilegiar um ator mais conhecido e que sozinho faz mais bilheteria?
Provavelmente, a resposta está na segunda opção, por diversas razões. Primeiramente, o texto tenta se afastar de qualquer viés discriminatório, enfatizando, textual e visualmente, as diversas formas de configuração familiar – tanto um casal gay quanto uma mulher solteira aparecem como pleiteantes pela adoção. No caso específico das mulheres, as personagens de maior relevo são majoritariamente femininas: além de Byrne, Octavia Spencer e Tig Notaro são assistentes sociais dedicadas e solícitas, tendo elas perfis bastante distintos (embora o figurino as coloque com cores muito similares), movendo a trama e servindo também como alívio cômico (especialmente Spencer, cujo carisma garante simpáticos papéis secundários em diversas produções).
Além disso, dos três acolhidos por Pete e Ellie, Lizzy (Isabela Moner) e Lita (Julianna Gamiz) são meninas geniosas, enquanto Juan (Gustavo Quiroz) é o frágil, ou seja, há uma inversão de papéis em relação a uma visão estereotipada. Juan é sensível e inseguro (sem contar desastrado, rendendo boas cenas de humor); Lita, zangada e irritadiça; Lizzy, amarga e desiludida. A adolescente, inclusive, faz um contraponto interessante em relação aos infantes, impedindo que a narrativa se torne unidimensional. Por derradeiro, considerando que Anders dirigiu “Pai em dose dupla” (1 e 2), parece que Wahlberg se tornou seu favorito, o que explica os holofotes no ator em detrimento de Byrne.
No elenco está também a ótima Margo Martindale como Vovó Sandy, no clichê da avó que mima os netos, enxerga o filho como criança e trata a nora com alguma frieza. É a personagem responsável por ensinar a diferença entre a conduta de quem odeia e a de quem acha que não é amado, sendo uma boa oportunidade para problematizar os relacionamentos familiares. Entretanto, a narrativa não é boa em tornar seu plot complexo, perdendo diversas oportunidades nesse sentido, salvo no conflito entre a genitora e a nova família, que é bem trabalhado graças primordialmente a Lizzy (mas também à desmistificação da mãe que perde a autoridade parental, que não é retratada como símbolo de desídia pura). A rigor, é a adolescente que promove as melhores e mais verossímeis problematizações. Por exemplo, quando Pete e Ellie dão uma lição a seus familiares, embora o texto seja elogiável em seu conteúdo, a sua forma não convence (tampouco as respectivas interpretações).
No que se refere à forma, Sean Anders não é um diretor de grandes predicados. No entanto, “De repente uma família” se esmera na montagem, com raccords que usam um elemento visual de um plano na transição para o plano seguinte (recurso usado diversas vezes, com o único equívoco do abandono em determinadas sequências, chegando a mudar o método de transição para a fusão) e inteligente uso de jump cuts na cena da primeira noite de Lizzy, Juan e Lita na casa de Ellie e Pete.
O longa tem vocação didática, mas não possui habilidade questionadora. Enquanto objeto de estudo, a adoção é bem trabalhada no aspecto pedagógico, mas comete uma contradição (referente à moça da palestra, que quase esvazia a mensagem). Ainda, a abordagem é deveras rasa, como na palestra em que Pete e Ellie vão, que é uma cena rápida demais para gerar impacto. Assim, o filme funciona muito bem como feel good movie, no drama, porém, não consegue atingir a ênfase desejável.
Obs.: o título da presente crítica se refere à tradução livre de versos da música “Nothing’s gonna stop us now” (Starship), que compõe a trilha musical do longa e poderia facilmente ser sua música-tema, tendo em vista a fácil associação simbólica entre as obras.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.