“A VOZ DO SILÊNCIO” – Um mosaico de solidão [20 F. Rio]
Grandes cidades contemporâneas possuem uma dinâmica e um ritmo muito peculiares, potencializados pela velocidade das inovações tecnológicas e pela aceleração das obrigações modernas. Entretanto, não é incomum que alguns de seus habitantes estejam à deriva e à procura de um porto seguro para suas vidas. A VOZ DO SILÊNCIO tenta trabalhar essa contradição e nem sempre é bem-sucedido na tarefa, devido ao escopo exageradamente elevado de personagens e subtramas para administrar.
Na trama, sete pessoas conduzem suas vidas em busca de satisfação pessoal e felicidade. Mesmo com trajetórias e personalidades tão distintas, elas se aproximam e se encontram durante a rotina comum da cidade de São Paulo. A narrativa é construída como um mosaico de múltiplas histórias aparentemente desconexas que mostram, pouco a pouco, pontos de ligação e contato entre os personagens: existem aqueles que não têm boa relação familiar, outros que sofrem com a falta de perspectiva no trabalho e alguns que se veem abalados pelo peso do tempo. O pecado de toda a estrutura escolhida fica por conta dos trabalhos irregulares do diretor André Ristum e do montador Gustavo Giani: eles não conseguem trabalhar bem todas as subtramas, fazendo com que algumas tenham mais força dramática do que outras e que a relação entre elas careça de fluidez.
Algumas histórias são eficientes e bem desenvolvidas por conta das atuações ou do conflito exposto: Maria Cláudia é interpretada por Marieta Severo com alto nível de sutileza e complexidade, dando vida a uma mulher que sofre com o Mal de Alzheimer, outros problemas mentais e uma relação conflituosa com o filho que deixou o lar; Alex é vivido por Arlindo Lopes como um jovem que trabalha em um call center de prestação de serviços e sofre os tormentos de uma solidão angustiante; e Luis Gustavo é interpretado por Marat Descartes como um corrupto e machista oficial de justiça, que trai constantemente sua esposa (nessa subtrama, o desempenho do ator se sobressai mais do que o arco, pois este é esquecido em determinado momento e pouco aprofundado). André Ristum mostra um bom trabalho na direção de atores, especialmente os três citados, para tornar os três núcleos emocionantes e representativos do isolamento em relação ao mundo real sentido pelos personagens.
Outros arcos, em compensação, pouco se desenvolvem ou são abandonados por muito tempo, sendo apenas reinseridos na narrativa em momentos aleatórios e sem conexão com a cena anterior. O núcleo formado pelo avô Nestor, sua filha Julieta e o neto Rodrigo serviria para abordar os afastamentos dentro de uma família; e o outro formado pelo dono de restaurante Carlo e seu empregado Odilon (também porteiro do prédio onde morava Nestor) seria responsável por trabalhar as dificuldades nas relações de trabalho, bem como os desafios de um indivíduo pobre de prosperar na sociedade. Porém, tais histórias exemplificam muito bem como os conflitos são apressados e como o pouco tempo de tela compromete o estabelecimento de uma mínima estrutura dramática.
No quesito design sonoro, os méritos se multiplicam e elevam a qualidade do material a uma patamar mais elogioso. A abertura do filme já indica como a edição de som pode ser usada a serviço da condição psicológica dos personagens e se tornar um padrão reconhecível: os ruídos típicos de um grande centro urbano são enfatizados, principalmente aqueles oriundos do trânsito (buzinas, freadas bruscas, apitos…), com o objetivo de mostrar como todas aquelas pessoas se sentem oprimidas por sons progressivamente desagradáveis e invasivos. Nas demais sequências, algum barulho sempre pode ser ouvido em primeiro ou segundo plano, seja através da circulação de automóveis, da transmissão de algum programa de televisão ou de alguma música, seja através de ruídos de conversas escutadas da rua – a quase inexistência de algum instante de silêncio serve como metáfora da desorientação e da inquietação interna.
Outra utilização importante da edição de som diz respeito às pouquíssimas passagens silenciosas da trama. O silêncio é inserido pontualmente para ilustrar um alívio temporário sentido pelos personagens quando se permitem ter alguma emoção: Luis Gustavo, quando recebe a notícia do acidente de sua esposa e quando a vê no leito do hospital; e Alex, quando toma três comprimidos de um remédio fundamental para sua sobrevivência, posteriormente explicado. Ainda dentro desse aspecto técnico, é possível constatar o discreto uso da trilha sonora para transmitir a pulsação de uma cidade grande e para intercalar algumas sequências (há transições de cenas que utilizam, alternadamente, músicas diegéticas e extradiegéticas para atravessar os núcleos).
O olhar dado por “A voz do silêncio” à contemporaneidade das grandes cidades é melancólico, intimista e realista. Alguns personagens, ao fim, parecem ter condições de lidar com seus demônios interiores e as agruras do mundo ao redor, outros nem tanto. Não existe nem um otimismo exagerado, nem um pessimismo desalentador; trata-se da compreensão de uma realidade contraditória e profunda. O que fica faltando é a compreensão de que um excesso de narrativas e de personagens mal aproveitados enfraquece algo potencialmente bom.
*Filme assistido durante a cobertura da 20ª edição do Festival do Rio (20th Rio de Janeiro Int’l Film Festival).
Um resultado de todos os filmes que já viu.