“CHACRINHA – O VELHO GUERREIRO” – Um filme abaixo do ícone
O cinema brasileiro parece finalmente ter descoberto o rico material que tem disponível na história da TV, após o lançamento de “Bingo: o rei das manhãs“. O sucesso da cinebiografia de Arlindo Barreto impulsionou a produção de um filme para uma dos maiores personalidades artísticas do país: José Abelardo Barbosa, o Chacrinha. O desafio de criar uma obra à altura do ícone era gigantesco e esperar algo assim seria uma vã esperança. Porém, CHACRINHA – O VELHO GUERREIRO, ainda assim, poderia fazer muito mais do que realmente fez.
A história conta a trajetória de José Abelardo Barbosa desde o momento em que larga a faculdade de medicina para se aventurar em seu primeiro “bico” como locutor de rádio até se transformar no famoso Chacrinha. A sensação que fica ao se assistir a essa cinebiografia é a de que todas as atenções e esforços estiveram voltados apenas para a caracterização do protagonista. Enquanto isso o roteiro era marginalizado, carente de uma estrutura clara, afinal nem a fórmula básica de ascensão, queda e superação está presente – seria mais preciso falar numa coleção de momentos famosos da carreira de Chacrinha.
Tais críticas não podem ser endereçadas ao trabalho de construção do icônico comunicador. A revolução operada por ele no rádio e na TV está lá, graças às atrações excêntricas que ele promovia (concurso de pulgas, por exemplo), ao seu modo de apresentação único e às repercussões de suas performances nas plateias de seu programa ou nas excursões feitas para o interior. Além disso, características marcantes de Chacrinha são bem trabalhadas pela narrativa: os maneirismos e inflexões da voz; o vestuário extravagante e colorido; os bordões e as ações ora improvisados ora construídos dentro de alguma situação específica (frases como “alô, alô, Terezinha” e “eu estou aqui para confundir, não para explicar” e o ato de atirar peças de bacalhau na plateia); as brigas nas emissoras por onde passou (especialmente na Globo); e a personalidade simultaneamente divertida e grosseira.
Uma construção eficiente como essa passa pelas diferentes e igualmente boas atuações de Eduardo Sterblich e de Stepan Nercessian. O primeiro compõe um jovem, irreverente, malandro, autoconfiante e ousado Abelardo Barbosa, que ascende ao estrelato no rádio após um início modesto em uma pequena emissora. O segundo compõe o mesmo personagem, mais velho, falastrão, grosseiro e de personalidade fortíssima, que desfruta do auge artístico alcançado na televisão e não abre mão de sua liberdade criativa. Os dois atores conseguem captar bem os trejeitos e as marcas próprias do comunicador sem cair numa simples imitação.
O que se revela o principal problema do filme é a desastrada montagem, incapaz de costurar minimante as sequências e as passagens de tempo e dependente de um excesso de diálogos expositivos para compensar a colcha de retalhos da história. Na linha temporal do passado, as sequências são exibidas tão apressadamente que se sente falta dela quando chega ao fim – o sucesso do protagonista e o nascimento dos filhos não são mostrados, apenas referenciados por outros personagens. Na linha temporal do presente, os saltos temporais se sucedem de maneira confusa e os conflitos da trama são atirados na narrativa sem qualquer desenvolvimento – a morte da mãe, a má relação com a família e o acidente do filho são colocados apenas para cumprir a lista de fatos de sua biografia. O único acerto é a transição do passado para o presente feito com um movimento de câmera enquadrando pelas costas a entrada de Abelardo no palco.
A direção de Andrucha Waddington reforça os problemas narrativos da produção e a sua inferioridade em relação ao biografado. O estilo de direção é conservador e não traz nada de especial para a filmagem de programas ousados e transgressores para as décadas de 1960 e 1970. Por vezes, os planos tradicionais que conjugam personagens e cenários também comprometem o aspecto estético, já que são feitos em enquadramentos laterais ou traseiros nada atraentes.
No quesito recriação histórica, o trabalho é irregular. As roupas e maquiagens das décadas de 1940 e 1950 são inseridas adequadamente, porém o mesmo não vale para as décadas seguintes, períodos em que o filme não se preocupa em trabalhar visualmente. Se por um lado os acontecimentos históricos do país são citados muito rapidamente e de modo superficial demais (uma fala do apresentador Flávio Cavalcante para se referir ao golpe militar de 1964 e uma rápida alusão à censura da ditadura militar sobre a moral e os entretenimentos públicos), o esmero maior fica para o panorama artístico daquelas épocas.
A marca deixada por Chacrinha na comunicação brasileira atravessou gerações e períodos históricos do Brasil. Tamanha revolução construiu um personagem lembrado e relembrado como símbolo da cultura popular brasileira e exemplo de entretenimento que atraía multidões. “Chacrinha – O velho guerreiro” reconhece tudo isso, porém não consegue dar a Abelardo Barbosa o filme que ele merecia.
Um resultado de todos os filmes que já viu.