“OPERAÇÃO OVERLORD” – Roteiro mais perigoso que os zumbis [42 MICSP]
Não é exagero afirmar que a temática da Segunda Grande Guerra na ficção já está saturada. Seja no cinema, na TV ou em qualquer outra mídia, esse período histórico se tornou um espaço seguro para obras genéricas e vazias (obviamente, há excelentes exceções que retratam esse período). Em se tratando de uma produção de J.J. Abrams, especulava-se que esse longa seria um possível “Cloverfield 4″. De fato, OPERAÇÃO OVERLORD se propõe a uma tarefa difícil: misturar zumbis com a Segunda Guerra Mundial. Uma missão que exige criatividade, bom roteiro e ação bem dirigida. E, apesar de todo o revés, o soldado Julius Avery (diretor do longa) se mostrou um bravo combatente.
A história, escrita por Billy Ray (roteirista de “Capitão Phillips” e “Jogos vorazes”), acompanha um grupo de soldados americanos que tem uma missão em uma cidade francesa invadida pelos alemães: destruir uma torre de comunicações nazista. Porém, a arriscada tarefa ainda se tornaria mais macabra. Os alemães estavam testando uma nova forma de serem invencíveis no conflito, e as coisas acabam se tornando cada vez mais difíceis para os soldados do Tio Sam.
A sequência de abertura é intensa e coloca o espectador dentro do clima tenso do avião que carrega os protagonistas do filme. A direção dessa cena é acertada, pois consegue aliar com equilíbrio o suspense e a ação juntos. Se a primeira impressão é a que fica, o diretor Avery já ganha alguns pontos logo no início da película. Contudo, depois daí, a coisa começa a degringolar. O protagonista, Boyce (Jovan Adepo) é o estereótipo do soldado “bonzinho”, e todos os clichês que circundam essa abordagem de personagem estão presentes. Seu arco é previsível e quase nada empolgante.
Há uma melhora significativa na história com a entrada de Chloe (Mathilde Ollivier) na trama, uma habitante do pequeno vilarejo francês que acaba ajudando os soldados americanos. Se mostrando cada vez mais corajosa com o avanço da narrativa, ela acaba por ser a melhor personagem do filme, com facilidade. Outro destaque é o personagem de Wyatt Russell, Ford. Conhecido pelo batalhão como o mais experiente, Ford desenvolve um arco expressivo para a história e para o destino de todos os personagens.
E é esse roteiro, coescrito por Mark L. Smith, a grande fraqueza desse filme. Como descrito, a irregularidade e incapacidade de trabalhar bem todos os personagens cria “barrigas” no filme, também conhecidas como alguns momentos sem sentido que tendem a durar infinitamente. Feliz ou infelizmente, é também nesse aspecto que a direção de Avery ganha mais força. Através da manipulação das cenas de ação e de suspense, o diretor consegue cativar o espectador e transportá-lo para a zona de guerra. A fotografia, dirigida por Fabian Wagner (que trabalhou em “Game of thrones”) e Laurie Rose (com a experiência de “Peaky Blinders”), foi um aspecto positivo, harmonizando a visão do diretor com composições de cena e enquadramentos característicos de filmes de guerra nas cenas de ação.
O plano-sequência estrelando o soldado Boyce no terceiro ato é a prova de que o trabalho de direção é bem superior ao roteiro do próprio filme. “Operação Overlord” é traiçoeiro: ao mesmo tempo em que deixa a sensação de que inúmeras oportunidades foram perdidas no decorrer da narrativa, fica também a impressão de que algo tão genérico como zumbis na Segunda Guerra não poderia ser muito diferente disso. Portanto, o agridoce gosto do longa gera o sentimento de aceitação, não de contentamento.
Apesar de tudo, o filme diverte. É um bom entretenimento para uma “sessão pipoca”, devendo ser tratado como tal. Não há grandes críticas à política bélica da época, muito menos sacadas políticas metafóricas que compreendam o nosso tempo. Há, sim, enquanto o roteiro não deixa o espectador sonolento, boas cenas de ação em um conceito singular de premissa narrativa no cinema recente. O soldado Avery lutou bravamente até o fim, já com munição escassa, e conseguiu sair vitorioso ao entregar um filme medíocre baseado em um roteiro pavoroso.
*Filme assistido durante a cobertura da 42ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Apaixonado por cinema e pela arte de escrever.