“AS AVENTURAS DE ROBIN HOOD” (1938) – O crescimento de um mito
“Roubar dos ricos para dar aos pobres“. A frase e seu autor se tornaram famosos, apesar da ausência de registros históricos de sua existência. Quando se trata de Robin Hood, a linha entre mito e realidade é tênue e as histórias contadas ao longo do tempo reforçaram a mitologia em torno de Robin de Locksley e de suas ações na Inglaterra medieval. Tudo começou com o poema “Piers Plowman“, escrito por William Langland e publicado por volta de 1377, em seguida, se propagou a partir de contos orais, ganhou ainda mais corpo com narrativas escritas e se consolidou na literatura e no cinema. Dentro desse movimento está AS AVENTURAS DE ROBIN HOOD, de 1938, primeira produção de grande relevância sobre o personagem.
A trama se passa no século XII, quando o rei da Inglaterra Ricardo Coração de Leão é sequestrado na Áustria ao retornar das Cruzadas. O príncipe John se aproveita para usurpar o trono e favorecer os normandos invasores em detrimento dos saxões. Rebelando-se contra essa situação, o nobre Robin de Locksley organiza um grupo de foras da lei na floresta de Sherwood para lutar contra os normandos e ajudar a população – enquanto ainda se apaixona por Marian, protegida do rei Ricardo, e prometida pelo Príncipe a Sir Guy de Gisbourne. Além de consolidar as histórias sobre Robin Hood (algumas de menor repercussão já haviam sido feitas para o cinema), esse filme também se tornou um marco no estilo “capa e espada” na década de 1930, tendo romances idealizados e lutas de esgrima entre mocinhos e vilões.
Além de contribuir para um subgênero que ultrapassa os limites de sua narrativa, a produção também tem habilidade para combinar um tema muito sério e um tom própria das aventuras clássicas de décadas passadas. Existe um esforço para se contextualizar historicamente os eventos retratados através de uma série de cartelas informativas sobre a situação da Inglaterra durante a Idade Média (referências às Cruzadas, às intrigas pelo poder e às explorações sofridas pelos camponeses sob a forma de impostos cobrados ou atos de violências praticados pela nobreza). Considerando-se a ambientação histórica, a desigualdade entre aristocratas e camponeses e a luta contra essa opressão são trabalhadas de maneira a se comunicar com outros momentos da história – não precisando, para tanto, de uma narrativa excessivamente séria, afinal o tom aventureiro, divertido e de um entretenimento ingênuo (na melhor acepção da palavra) não enfraquece o que se quer contar.
Diversão construída graças à direção de Michael Curtiz e William Keighley, capaz de conferir um ritmo ágil ao desenrolar da narrativa. Cada pequena passagem do roteiro se encadeia organicamente, interligando acontecimentos de modo dinâmico e utilizando todo o tempo existente para capturar a atenção do público. Por conta disso, é possível assistir a uma aventura que passeia por momentos de humor, romance e ação – sequências de ação que, por sinal, podem apresentar algumas coreografias datadas se as olharmos com o referencial de hoje, porém jamais deixam de ter uma energia crescente (algo também salientado pela eficiente trilha sonora aventuresca e contagiante de Erich Wolfgang Korngold).
Nenhuma ambientação histórica estaria completa sem a recriação de época feita nos figurinos e no design de produção. As vestimentas luxuosas para os nobres, simples para os camponeses e a indumentária característica de Robin Hood (as calças apertadas, as cores verde e marrom, o arco de flechas às costas e a boina se tornaram marcantes para o personagem) definem muito as relações sociais daquele período. Já o complexo trabalho de concepção dos cenários transmite a grandiosidade das condições de vida da aristocracia e dos embates corpo a corpo – efeitos práticos e locações muito bem escolhidas contribuíram para a imersão na Idade Média, assim como o uso de lentes com grande profundidade de campo que valorizavam ainda mais a escala dos cenários.
Se Robin Hood entrou para o imaginário da cultura popular e foi revisitado em outras épocas, muito se deve a ainda hoje atuação marcante de Errol Flynn. O ator apresenta diferentes camadas dramáticas e de personalidade que o tornam crível, humanizado e adequado para o momento histórico em que se encontrava: é carismático e sedutor quando se relaciona com Marian (Olivia de Havilland) e quando atraía diferentes pessoas para seu bando; sério e compenetrado na luta contra a nobreza autoritária e as injustiças presentes na vida dos camponeses; e leal ao Rei Ricardo e à defesa dos interesses populares. Por contraste, as atuações de Claude Rains, interpretando o príncipe John, e Basil Rathbone, interpretando Guy de Gisbourne, também são eficientes por compor nobres arrogantes, opressores e capazes de tudo por seu modo de vida luxuoso.
Ainda que possa parecer que Robin Hood seja apenas idealizado romanticamente (graças ao seu forte vínculo com o rei Ricardo), o personagem é problematizado, em determinado diálogo, como um anti-herói. Quando o próprio Robin diz a Ricardo “como você não estava aqui para defender seu povo, eu me tornei esse bandido fora da lei“, há o reconhecimento de que suas atitudes são feitas à margem da lei e, portanto, não são imunes às críticas, mesmo que tivessem um objetivo válido. Graças à forma como o fora da lei é desenvolvido e como a narrativa de aventura diverte e faz refletir, “As aventuras de Robin Hood” pode trazer temas sérios e importantes sem nenhum tipo de paradoxo. Pode ser, em suma, uma obra com valor cinematográfico e também histórico, ultrapassando a década de 1930 e chegando até os dias atuais para atualizar os riscos das mais variadas formas de opressão, exploração e autoritarismo.
Um resultado de todos os filmes que já viu.