“CAMINHOS MAGNÉTYKOS” – O blasé estético e hiperbólico [42 MICSP]
Quem nunca se perguntou sobre a própria condição de viver? Chamamos, popularmente, de “crises existenciais”. “Caminhos magnéticos” acende um debate a respeito de muitas questões: idade, família, política e religião. Porém, no cerne de todos esses temas, temos a passividade do protagonista, que se vê angustiado ao perceber, na velhice, a incapacidade de agir perante as coisas mais simples.
A trama do longa é a seguinte: Raymond (Dominique Pinon) é um francês na casa dos 60 anos de idade que vive em uma Portugal distópica com sua esposa e sua filha, Catarina (Alba Baptista), uma jovem de 21 anos de idade que está às vespéras de se casar com um homem rico. Quando Raymond começa a se arrepender de concordar com o casamento apenas com o aspecto financeiro em mente, ele acaba se envolvendo em uma noite de pesadelos e revoltas pessoais.
O diretor é o português Edgar Pêra, que traz uma estilística no mínimo curiosa para abordar os temas propostos. Grande parte do filme é composta por duas ou mais imagens em justaposição. Por vezes, essa junção de imagens é a perspectiva de Dominique Pinon na pele do protagonista, mesclada com a perspectiva externa sobre ele. Em outras vezes, são justapostas imagens que observam o personagem principal com os olhos personificados do regime, da família e dos poderes. Esse recurso cria no espectador o sentido de indecisão, havendo mais de uma imagem a ser observada. Ao longo da película, a indecisão gera indiferença, e é onde quem a assiste entende o que Raymond sofre em sua tragédia pessoal.
O uso de cores é intenso e prevalece uma dualidade entre o azul, da celebração e do mar (que se torna a grande chave para o desfecho do filme), e o vermelho (simbolizando a paixão, luxúria e o poder da ditadura fascista). É fácil perceber esses elementos na cena do interrogatório, onde, amparado pelo recurso da câmera em plongée, a luz vermelha recai sobre o general do regime (Albano Jerónimo) e a luz azul sobre Raymond. No mais, esteticamente falando, a obra é extremamente hiperbólica. Força demais em aspectos de cor e forma, carregando uma mise en scéne que confunde mais do que elucida narrativamente.
Talvez o personagem mais marcante do longa seja o de Ney Matogrosso, o André. Ele é apresentado liderando um culto religioso, que abre a mente do protagonista ao afirmar: “dinheiro não é tudo”. Mais adiante, é revelado que André também comanda um grupo de revolucionários contra a ditadura. Em cada momento de Ney em cena, são repetidas palavras belas a respeito da condição humana, sempre com tom crítico social e político. A grande sacada do diretor foi introduzir a canção “Rosa de Hiroshima” (de autoria do próprio ator) em algumas cenas. Inclusive, na primeira vez que ela é tocada, Ney dubla o trecho “Pensem nas crianças mudas, telepáticas. Pensem nas meninas cegas, inexatas […]”.
Mas, como assim, dinheiro não é tudo? A filha de Raymond havia acabado de se casar com um figurão da high society portuguesa (Paulo Pires), com contatos que vão desde o primeiro-ministro da ditadura fascista instalada no país até Donald Trump (há uma alfinetada à figura do presidente americano que não funciona bem). Na jornada, trilhada nos mais de 80 minutos de filme, a recaída a respeito da condição da miséria pessoal é o que faz o protagonista continuar caminhando em seus pesadelos até eventualmente procurar a solução final para tal.
Através de um roteiro satisfatório (onde alguns erros são relevados em função da mensagem final do longa) e as direções artística e de fotografia convergindo ao centro da epifania nefasta que assola o protagonista, “Caminhos magnéticos” oferece ao espectador reflexões pertinentes à vida, mas com um gosto amargo de desesperança. Edgar Pêra entrega uma obra cheia de significado em duas camadas, da condição humana e da crítica política, e, embora acerte no conteúdo, a forma faz parecer que o filme seja um retrato extremamente dramático e, consequentemente, efêmero.
*Filme assistido durante a cobertura da 42ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Apaixonado por cinema e pela arte de escrever.