MALILA: A FLOR DO ADEUS – Um filme contemplativo em um roteiro mal escrito [42 MICSP]
“Despedida” é uma palavra axiologicamente dolorosa para a maioria das pessoas. Em MALILA: A FLOR DO ADEUS, porém, sua noção é revitalizada para algo mais complexo e metafísico, ganhando uma beleza própria e novas cores.
O longa conta a história de Pitch e Shane após a morte do primeiro. Shane se torna monge e decide andar pela selva para rever o amado. E de fato o reencontra, ainda que Pitch esteja em outra forma. Não é difícil perceber que o plot de “Malila” é deveras abstrato e espiritualista, de modo que pode não agradar o público que prefere romances mais concretos.
O grande trunfo da película é retratar a cultura da Tailândia, um país cuja tradição religiosa e/ou mitológica é pouco conhecida no Ocidente. O principal símbolo de lá está representado pelo Baisri, que é uma espécie de artefato, uma obra artesanal belíssima feita com flores – no caso de Pitch, feita com jasmim branco. São longas as cenas em que ele se dedica a esse trabalho, cujo resultado é inegavelmente belo não apenas do ponto de vista estético, mas também metafórico.
Pitch e Shane representam um casal de opostos bem interpretados, respectivamente por Chonlasit Upanigkit e Lee Chatametikool. O primeiro, acometido por uma grave doença, prefere recorrer às ervas e à confecção de Baisri para minorar o sofrimento decorrente da moléstia – ou seja, ele reconhece a própria condição, que, todavia, não o impede de seguir fazendo o que gosta (o mesmo não ocorreria com um eventual tratamento). Quando Pitch afirma que as folhas mortas não o entristecem e que elas são belas à sua própria maneira, ele se refere a muito mais do que as plantas: a própria morte não é motivo para tristeza e tem uma beleza única. Mais que um ponto de vista, é uma filosofia de vida. É absolutamente distinta a maneira pela qual Shane encara os traumas da sua vida, jogando-se no álcool para tentar esquecê-los, em vão.
A direção de Anucha Boonyawatana (corroteirista, juntamente com Waasuthep Ketpetch) é despudorada ao mostrar um cadáver nu e em putrefação. A cena é visualmente desagradável, mas necessária em seu contexto, destoando muito dos ricos cenários tailandeses (sabotados pelo uso de luz natural, que não foi uma escolha acertada da fotografia). A representatividade desse corpo também é relevante, representando a metonímia do conhecido ditado segundo o qual “do pó viemos e ao pó retornaremos”. Ainda, se a fotografia não é das melhores – a despeito da inegável beleza natural da selva tailandesa -, o figurino diz muito quando o casal usa roupas finas (o que é coerente com o calor do local) e de tons pastéis e sempre claros (transmitindo uma sensação de leveza e pureza).
“Malila: a flor do adeus” é um filme extremamente lírico, poético e contemplativo, porém, enquanto obra audiovisual de ficção, comete o equívoco gravíssimo de praticamente não ter narrativa. A história a ser contada é unidimensional e exageradamente mergulhada em abstrações, no que resulta uma obra muito mais próxima de outras manifestações artísticas (como a pintura, por exemplo, que também é contemplativa por excelência) do que da sétima arte. Não há desenvolvimento, não há trama e é narrativamente bagunçado. Um exemplo de roteiro mal escrito.
*Filme assistido na cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.