“ELITE” – Exageros de uma novela
A segunda série espanhola do catálogo da Netflix tenta fisgar o público jovem de diversas maneiras: é uma mistura de “Gossip girl“, “Pretty little liars” e “How to get away with murder” (produções com boa penetração nessa faixa etária e com uma estética de intrigas e mistério situada em um ambiente escolar) e tem em seu elenco atores do sucesso de audiência “La casa de papel” (María Pedraza, Miguel Herrán e Jaime Lorente) – série cuja crítica (1ª temporada) pode ser lida clicando aqui. A curiosidade inicial, entretanto, não torna ELITE uma série livre de suas problemáticas falhas narrativas.
A estrutura da obra segue a técnica do in media res, na qual o público é colocado no meio da história sem entender exatamente o que está acontecendo e o porquê: o protagonista Samuel aparece ensanguentado na frente de uma piscina, enquanto policiais chegam ao local e o levam para depor; em seguida, os demais personagens prestam depoimentos à polícia. Assim, é possível saber que um assassinato ocorreu (mesmo ainda sem saber de quem). Após as primeiras poucas informações dadas, a narrativa recua seis meses no tempo e mostra três alunos de baixa renda (Miguel incluso) deixando sua escola de origem (em ruínas decorrentes de um desabamento) e recebendo uma bolsa de estudos para matrícula em um colégio da alta elite espanhola. A partir daí, os conflitos entre jovens de origens sociais distintas ganham forma.
Por mais que a revelação do assassino seja o ponto final da trama e possa atrair a atenção do espectador, os roteiristas Carlos Montero e Darío Madrona não tornam a investigação orgânica à narrativa. Há um vaivém entre o presente narrativo (a rotina na escola) e o futuro próximo (a investigação policial) sem conexão entre si: os depoimentos de cada personagem são inseridos aleatoriamente e não dialogam, necessariamente, com o que era exibido na outra linha cronológica; a investigação em si é retalhada em mil pedaços que inviabilizam a compreensão de seus rumos; e as tentativas de ampliação do número de suspeitos não têm qualquer sutileza.
Se a condução do mistério logo se revela um grande ponto fraco, as histórias contadas dentro do colégio Las Encinas conseguem ter alguns méritos (ainda que sejam manchados por outros problemas). A escolha dos temas a serem tratados é um acerto, não apenas pela relevância social de sua exposição, mas também por sua vinculação ao perfil jovem adulto de seus personagens: sexualidade, bullying, drogas, conflitos de gerações e vida na era digital são alguns entre tantos outros que povoam a narrativa. São tantas as possibilidades dramáticas a serem exploradas que os criadores, muitas vezes, não aproveitam todo o potencial existente ou finalizam de modo incompleto o que haviam iniciado.
Esses temas são apresentados através de muitas subtramas: os novos alunos humilhados por sua condição financeira (Miguel, Christian e Nadia); o triângulo amoroso entre Samuel, seu irmão Nano (recém saído da prisão) e Marina (jovem rebelde sempre em conflito com os pais); os preconceitos sofridos por Nadia por ser muçulmana e sua relação com o egocêntrico e elitista Guzmán; o estranho triângulo amoroso entre Christian e o casal Carla e Pólo, que querem deixar seu relacionamento mais “apimentado”; e as dificuldades na relação homossexual entre Ander e Omar, impedidos de ficarem juntos pelo tradicionalismo religioso do pai de Omar. O excesso de subtramas não é o maior pecado do roteiro, mas sim o lento e repetitivo desenvolvimento de muitas delas (mesmo tendo apenas oito episódios, fica a sensação de que muitos conflitos e situações foram prolongados desnecessariamente).
A falta de um maior refinamento na construção das subtramas também se evidencia no estilo de direção e de fotografia adotado ao longo de todos os episódios. Os diretores Ramón Salazar e Dani de la Orden mantêm uma estética própria das novelas por utilizarem predominantemente enquadramentos e movimentos de câmera muito simples (plano e contraplano) e por privilegiarem apenas a luz natural em todos os cenários e em todas as situações dramáticas (mesmo quando o momento pudesse justificar alguma inventividade maior, em alusão ao estado emocional dos personagens ou dos acontecimentos). Além disso, os diretores, muitas vezes, têm frágil domínio da mise en scène e constroem planos confusos ou fracos dramaticamente (como uma sequência de briga no penúltimo episódio).
Em termos de atuação, o elenco não apresenta muitos destaques. A maioria entrega desempenho razoável, sem comprometer os arcos de seus personagens ou se limitar a ficar numa caricatura com pouquíssima nuance (é o caso da Lucrécia interpretada por Danna Paola). As exceções ficam por conta de María Pedraza, que vive Marina, e Miguel Herrán, que vive Christian. A atriz transmite com segurança o desejo por liberdade da jovem e como o sentimento lhe provoca conflitos com os pais e, por vezes, decisões erradas (inclusive, rendendo os momentos dramáticos mais eficientes da série). Já o ator demonstra o lado despojado e autoconfiante do jovem sem cair no exagero ou na infantilidade, envolvido em situações muito estranhas para ele em virtude de sua vontade de escapar de uma vida difícil financeiramente.
Tentando combinar mistério e dramas juvenis, “Elite” falha consideravelmente no primeiro e acerta em parte no segundo. Caso o tom novelesco, excessivamente dramático e episódico não predominasse, a série poderia ser um retrato mais bem acabado da juventude moderna de mídias sociais e de tantos conflitos internos. Como produto final, fica no meio do caminho ao mostrar tudo isso e não saber como trabalhar o material.
Um resultado de todos os filmes que já viu.