“NASCE UMA ESTRELA” (1954) – Um novo mundo
O roteiro da versão de 1954 de NASCE UMA ESTRELA é um reaproveitamento da de 1937, com melhoras substanciais que fazem dela algo bem maior que um remake. Se um filme é um retrato de sua época, o longa é um esplendoroso retrato da “Era de Ouro de Hollywood”, movimento cujos antecedentes remontam a período anterior, mas que teve seu auge, em especial, a partir da década de 1950, com musicais como “Singin’ in the rain” e “A roda da fortuna”. Foi o início de um novo mundo da sétima arte, cujo legado continua sendo aproveitado ainda hoje.
A protagonista do filme é Esther Blodgett, uma cantora que sonha em se tornar uma estrela. Em uma de suas apresentações, ela conhece Norman Maine, um astro em decadência, mas que enxerga nela enorme potencial. Eles se aproximam e se apaixonam, porém a carreira dos dois passa por um movimento inverso: enquanto ela ganha notoriedade, ele fica menos conhecido e se afunda no alcoolismo.
A versão de 1937 foi repaginada sem grandes modificações no plot, mas com a enorme mudança de transformar a produção em um musical. Não havia nome melhor que Judy Garland para assumir o papel de Esther, uma mulher de baixa autoestima, mas de talento imensurável. Assim como Esther, Garland se achava feia e assim era vista por alguns envolvidos da indústria, o que não a impediu de ingressar no panteão dos grandes artistas. O star system da Era de Ouro estava na película e também fora dela (não tendo mudado muito desde então): uma atriz ostenta diamantes esperando ser bajulada, nomes ruins para o marketing artístico são substituídos por outros que soam melhor (pena que o surgimento do nome artístico de Esther só foi explicado no filme de 1937) e um bom visual, ainda que falseado, é tido como essencial. Quando a protagonista é maquiada pesadamente, usa peruca loira e prótese no nariz, mais que uma cena cômica (quando ela nem é reconhecida por Norman), há uma severa crítica à indústria cinematográfica e suas futilidades.
Esther é uma protagonista formidável, interpretada maravilhosamente por Garland. Em sua primeira aparição, a voz afinadíssima e doce faz com que os dois homens que cantam ao seu lado sejam acessórios dispensáveis. Na segunda música, o canto é mais visceral, sem uma coreografia tradicional (sem preocupação com o cabelo despenteado) e entonações mais difíceis. No primeiro caso, Norman enxerga uma mulher fascinante – o que o motiva a uma abordagem de flerte bastante ousada, mas que tem importância dramática ao final e que faz com que ela simpatize com ele -, no segundo, uma cantora inigualável. A personalidade de Esther é repleta de idiossincrasias encantadoras: a timidez é um invólucro para uma voz potente, de modo que o “empurrãozinho” de Norman foi essencial para revelar a cantora. Ele viu nela algo que, até então, ela não via, dando-lhe as ferramentas para enxergar o “algo a mais” que as estrelas possuem e, principalmente, confiar em si. Quando ele diz que o rosto dela é lindo (após ela questionar como poderia cantar se tem um “rosto horrível”), não faz apenas um elogio, mas a ajuda a ter autoconfiança.
A situação de Norman é ainda mais complexa. Vítima de alcoolismo, ao conhecer Esther, o ator já estava em uma espiral descendente na vida e na carreira. James Mason atua bem no papel, porém não tem uma fração do brilho de Garland, cujo trabalho é incrível, inclusive pelos talentos variados que o papel exige (interpretação, canto e dança). Por outro lado, Norman é um papel introspectivo e bastante dramático, demandando habilidades também difíceis. Além disso, o ator é ótimo contracenando com a protagonista, sobretudo como um apaixonado consciente dos malefícios da sua doença.
A direção de George Cukor expõe alguns bons elementos visuais, todavia não consegue lidar com a duração da película (o que foi também um problema de venda, quando do lançamento da obra). O ritmo é eventualmente longo e alguns atos musicais poderiam ser enxugados, para, por exemplo, dispensar o intervalo e substituir as elipses ruins (feitas por fotografias). No entanto, alguns momentos são de inteligente abordagem visual, como a mudança dos nomes no outdoor (repetição do filme de 1937) e o nascer do sol quando Esther conversa com seu pianista.
Os três pilares de “Nasce uma estrela” são a interpretação de Judy Garland, os altos e baixos do estrelato e números musicais empolgantes. Mesmo que se reconheçam as falhas pontuais, nesses três aspectos, o filme fez história e colaborou para estabelecer parâmetros existentes no cinema hodierno. Dentro de seu gênero, é obra obrigatória.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.