“ALFA” – Coeso em seus modestos objetivos
Voltado especialmente ao público infantojuvenil (tanto que há apenas a versão dublada para o público brasileiro), ALFA é um filme que vai satisfazer esse grupo, considerando que não se arrisca muito e erra pouco. A amizade entre um homem e um animal foi explorada de diversas formas no cinema: “Sempre ao seu lado”, “As aventuras de Pi”, “Truman”, “Caninos brancos” e diversos outros. Todos eles têm como norte comum o clássico “O livro da selva”, que conta a história de um menino, chamado Mogli, criado por lobos em seu meio.
No caso de “Alfa”, o menino Keda já é um adolescente e foi criado por seus pais (humanos): a diferença é que, na primeira caçada que sai para acompanhar o pai, é dado como morto e se perde da sua tribo. Enquanto tenta voltar para casa, Keda encontra uma alcateia que tenta atacá-lo. O que ele não imagina é que fará amizade com um dos membros da alcateia, Alfa.
O longa começa e termina com uma narração voice over que se justifica pela didática necessária para atingir seu público-alvo. Há um exagero – por exemplo, ao mencionar que é a “história de um líder e uma amizade que mudou o rumo da humanidade” -, porém o esforço em expor uma mensagem edificante (a “moral da história”) é consagrado. Mesmo o espectador mais inocente vai conseguir enxergar naquela fábula diversas lições de vida.
Certamente quem entende do assunto vai perceber diversos equívocos. O filme se passa no continente europeu, há vinte mil anos, uma época em que o planeta era reconhecidamente cruel. Possivelmente, a película não foi completamente fiel para retratar os costumes e as crenças da época: teste para forjar uma lâmina na pedra, rituais místicos (comandados por uma espécie de xamã), culto aos ancestrais, totens e tatuagens. Contudo, não apenas constituem essas circunstâncias periféricas na produção, como o público-alvo não se importa com eventuais absurdos em termos de história, geografia ou antropologia – o que, evidentemente, não corrige seus erros.
Ocorre que a preocupação do diretor e roteirista Albert Hughes não é com a precisão científica, mas com a exposição dos sentimentos humanos mais intrínsecos, como a compaixão e o afeto. O protagonista Keda, interpretado convincentemente por Kodi Smit-McPhee, é a materialização desses sentimentos: tal qual Soluço em “Como treinar seu dragão”, Keda não tem a liderança viril e hábil de seu pai, todavia, ao ajudar um ser em estado vulnerável, faz deste um amigo e cresce muito com ele. Banguela estava fragilizado e só recuperou a plenitude de suas habilidades com a ajuda do solidário Soluço. Entre Keda e Alfa, o mesmo processo que vai da desconfiança inicial à amizade incondicional. Contudo, é indispensável mencionar que a história de Soluço e Banguela é muito mais bem construída e mais criativa que a de Keda e Alfa, que ganha apenas no realismo (já que não é animação).
Não que os efeitos visuais de “Alfa” sejam sempre espetaculares: entre altos e baixos, alguns planos estáticos são verdadeiramente belíssimos (dariam lindos wallpapers, por exemplo), principalmente nos cenários noturnos, todavia alguns momentos são visualmente deploráveis. Em geral, o longa se utiliza de planos bem abertos, no que depende mais do chroma key. Nos planos fechados (minoritários), os cenários são mais singelos, o que se revela um acerto pela coerência (não faria sentido uma caverna repleta de adereços) e pela eficiência (um travesseiro de pele de urso faz todo o sentido).
Na fotografia, prevalece uma paleta de cores bem escuras, em especial tons acinzentados e amadeirados, além da utilização inteligente de contraluz para expor as silhuetas das personagens (explorando os enormes campos a céu aberto em que elas estão). Mais ao final, o branco entra na fotografia, que, porém, não abandona as outras cores. O figurino é compatível com todo o design de produção – em geral, roupas escuras, feitas de peles de animais, bem quentes, e colares feitos de ossos -, embora o vestuário soe moderno demais em seus recortes (deveria ser mais rústico).
Em termos de montagem, a transição das cenas sem cortes (mesmo quando em locais e momentos distintos) é formidável, como quando surge uma fogueira da constelação e quando o rosto da mãe de Keda divide a tela com uma cachoeira. O uso intenso de elipses, por outro lado, permite questionar o roteiro, pois o texto não dá a entender interregno tão grande quanto as elipses sugerem. Ainda assim, visualmente, elas são belas.
Com poucos diálogos (poderia ter até menos, aproveitando a riqueza da linguagem não-verbal), o filme gasta muito da sua duração desenvolvendo a relação entre pai e filho. Se há bons momentos, certamente não decorrem do fraco Jóhannes Haukur Jóhannesson, incapaz de transmitir o desespero que determinada cena exige dele. O texto versa bastante sobre o orgulho do pai em relação ao filho, bem como sobre os ensinamentos transmitidos entre as gerações. No que se refere à relação entre Keda e Alfa, a narrativa é extremamente óbvia e clichê, mas tem grande potencial para comover os espectadores mais sentimentais (em especial quando animais estão envolvidos). Trata-se de um filme que talvez possa ser rotulado como genérico ou banal, já que, de fato, não é muito criativo. Mas é coeso com seus modestos objetivos.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.