“PARA TODOS OS GAROTOS QUE JÁ AMEI” – O mais do mesmo… de defeitos
A Netflix vem tentando emplacar seu próprio acervo de filmes originais para não depender de produções de grandes estúdios hollywoodianos. No gênero comédia romântica com personagens adolescentes, PARA TODOS OS GAROTOS QUE JÁ AMEI falha consideravelmente na tarefa e entrega uma narrativa clichê, previsível e desprovida de identidade visual consistente. Diante de inúmeros problemas, trata-se de um desafio hercúleo não se entediar com 1h40 minutos de projeção que parecem mais de 2 horas.
Adaptado do best-seller literário homônimo escrito por Jenny Han, o filme conta a história de Lara Jean, uma garota tímida, inocente e impopular no colégio, que imagina como seria se apaixonar na vida real fora dos livros românticos que lê. A vida de Lara sofre uma reviravolta quando cinco cartas de amor, redigidas por ela para cinco jovens que conheceu, são enviadas, por engano, aos seus destinatários. À primeira vista, o roteiro se desenvolveria a partir dos desdobramentos das cinco cartas e das reações dos envolvidos à repentina revelação dos sentimentos da protagonista. Todavia, a trama descarta um caminho que poderia ser mais proveitoso em favor de um enredo teen e colegial sustentado por um ritmo instável e desequilibrado.
A condução da narrativa começa oferecendo a única virtude da obra: a dinâmica de apresentação do cotidiano, da personalidade e das relações afetivas de Lara Jean com um ritmo ágil e compatível com um público jovem. Isso acontece graças ao uso de recursos que seguem o ponto de vista da jovem (câmera posicionada no olhar da personagem e narração de seus pensamentos, também exibidos concretamente pela imaginação de conversas com outros personagens). Tais escolhas, entretanto, são abandonadas e, de modo geral, aparecem apenas pontualmente, não se tornando um estilo narrativo benéfico ao ritmo e a algum nível de complexidade visual.
Aquilo que mais salta aos olhos em termos estéticos não revela qualquer função dramática: as tentativas da diretora Susan Johnson de emular as características visuais de Wes Anderson. Enquadramentos simétricos, personagens posicionados no centro do quadro (ocasionalmente em planos abertos) e cores muito vivas são recursos empregados com resultados extremamente distintos pelos dois cineastas. Enquanto Anderson cria tomadas de uma sensibilidade ímpar e personagens disfuncionáveis adoráveis, Johnson constrói planos excessivamente estáticos que não dialogam com os conflitos retratados nem capricham na mise en scène (mesmo tendo uma paleta de cores quentes agradáveis ao olhar, a distribuição e interação dos personagens pelo espaço é problemática). A diretora pouco movimenta a câmera e mal investe na movimentação dos atores em tela.
Os problemas estilísticos reforçam ainda mais o fraco desenvolvimento temático. A transição do primeiro para o segundo ato com a revelação das cartas inicia uma história já muito contada que não apresenta nenhuma novidade: um casal totalmente diferente nas suas preferências e personalidades que, com o tempo, aprende a conviver com as diferenças e até a gostar das peculiaridades um do outro. Subtramas paralelas com personagens periféricos formam um universo clichê ainda maior, capaz de fazer qualquer espectador que já tenha visto três ou quatro comédias românticas antever o que irá acontecer – a vilã de planos novelescos que cria intrigas, a amiga conselheira, o alívio cômico, toda essa gama de arquétipos está presente numa história pobre e sem nada interessante a contar.
No terceiro ato, a mensagem central que a produção tentou construir ao longo da projeção precisa ser dita em voz alta, num diálogo expositivo, para ser compreendida: é preciso correr riscos para demonstrar emoções reais e poder desfrutar de suas benesses. A previsibilidade da trama e as deficiências de um estilo visual mal empregado têm responsabilidade direta nesse problema. Porém, não se pode desconsiderar o fato de que o tratamento dado aos personagens e as indicações aos atores também são outras causas. Não há um efetivo envolvimento emocional com Lara Jean, vivida por Lara Condor, Peter, vivido por Noah Centineo, Josh, vivido por Israel Broussard, e outros personagens – até existem demonstrações pontuais de carisma do elenco, mas nada que sustente a narrativa.
Esporadicamente, a obra se detém apenas no convívio na casa da protagonista e suas relações com a família. Nesses breves instantes, é possível enxergar um rascunho de bom filme, justamente por não se presenciar os clichês de relacionamentos amorosos e sua abordagem enfadonha. Caso se concentrasse em tais sequências, outro filme nasceria dali. Algum filme melhor, porém radicalmente distante da proposta inicial extraída do material original.
“Todos os garotos que já amei” pode ter rendido milhares de vendas no mercado literário e pode ter qualidades numa outra mídia. Engano seria considerar tais aspectos os suficientes para dar origem a uma boa produção audiovisual. Literatura é um tipo de arte, cinema é outro. E a sétima arte, nesse caso, não foi bem contemplada.
Um resultado de todos os filmes que já viu.