“PSYCHOKINESIS”- Desorganização de estilos
Um prólogo bem conduzido esteticamente e alguns relances de boas ideias. Tais pontos são o máximo alcançado por PSYCHOKINESIS, filme original Netflix ambientado na Coreia do Sul. Na trama, Seok-hyeon adquire poderes telecinéticos e tenta ajudar sua filha Roo-mi e outras pessoas a resistirem à ambição de uma empresa, que tentava despejá-los de suas moradias e locais de trabalho.
A abertura se mostra a virtude mais consistente do filme. A apresentação da trajetória descendente de Roo-mi como administradora de um restaurante é filmada com estilo por Sang-ho Yeon: seu auge é retratado numa razão de aspecto menor, compatível com a imagem de uma câmera jornalística durante um programa televisivo e repleto de cores vivas; e sua decadência é retratada na razão de aspecto tradicional do cinema, com uma elegante transição por um raccord gráfico sobre um quadro e num cenário degradado, sujo e sombrio – alvo inesperado de um ataque por invasores. Por mais que não conheçamos as razões para o declínio do negócio, há uma atenção estilística na condução cronológica da narrativa. O desfecho do prólogo é impactante e capaz de introduzir o conflito central de modo certeiro (é possível sentir a dor de determinada perda sofrida por Roo-mi).
É a partir desse instante que os problemas se revelam. Grandes problemas. Temos duas subtramas que correm em sincronia: a luta de Roo-mi, ao lado dos colegas, contra uma ambiciosa empresa dedicada a se apoderar daquele espaço para seus próprios negócios; e a conquista de habilidades especiais (a capacidade de mover objetos com a mente) por Seok-hyeon, além da necessidade de aprender a utilizá-las. A discrepância entre elas prejudica o tom geral da obra, que precisa transitar (nada organicamente) entre uma trama dramática, com uma trilha sonora séria e uma fotografia sombria, para outra cômica com trilha sonora eletrônica e engraçadinha e uma paleta de cores claras.
Outro problema é a abordagem escolhida para tratar a imagem de super-herói do protagonista. O diretor abusa das piadas constrangedoras de um humor físico durante a execução dos poderes (especialmente quando o homem controla o movimento dos objetos através de movimentos de seu próprio corpo) e no tratamento cômico dado ao papel de Seok-hyeon na luta contra os vilões. Há, entretanto, alguns acertos quando o personagem está descobrindo seus poderes: os usos que faz deles são os mais realistas possíveis (por exemplo, tentar lucrar ou facilitar hábitos cotidianos, como pegar um objeto distante) e os efeitos visuais são discretos e convincentes (objetos e partículas de poeira levitando).
Sang-ho Yeon também acerta nas primeiras sequências de ação, quando constrói boa energia nos confrontos entre trabalhadores e invasores da empresa. À medida que os atos se desenrolam, a escala da ação e a complexidade dos efeitos visuais aumenta. E, com elas, as deficiências. O cineasta e sua equipe técnica falham na organização da mise en scène da sequência clímax no terceiro ato – a coreografia do elenco e as interações entre inúmeros personagens se tornam confusas; e nos limites orçamentários da computação gráfica quando crescem as habilidades do protagonista, algo que compromete a imersão do público.
Quanto ao elenco, a única que se salva é Shim Eun-kyung, que vive Roo-mi. É possível sentir o sofrimento de uma mulher abalada por perdas pessoais e pela violência praticada pela empresa interessada nos imóveis, além do ressentimento decorrente dos conflitos com seu pai. Os demais atores não escapam da simples caricatura dos personagens: Seung-yong Ryoo, que vive Seok-hyeon, é o símbolo de um humor imaturo com suas piadas físicas ou com diálogos cômicos fora de lugar na narrativa – as caras e bocas feitas pelo ator ao usar suas habilidades são vergonhosas; Jung Yu-mi e Jung Young-gi, que vivem, respectivamente, a diretora Hong e seu subordinado imediato, são o estereótipo do vilão caricatural maquiavélico, carregando excessivamente nas inflexões vocais e nas expressões faciais para transmitir a falta de escrúpulos.
Ainda que existam vários problemas, o filme consegue pincelar algumas questões importantes dentro de seu tema. Nos momentos em que há uma mínima preocupação com a narrativa, é possível ver críticas à violência de práticas de desalojamento forçado, às consequências nocivas dos locais em disputa (nesse sentido, o trabalho de design de produção é eficiente em mostrar a crescente degradação dos cenários) e à política de especulação imobiliária. A carga dramática em torno do tema e de seus desdobramentos é algo pouco visto em outras produções cinematográficas, mas nem por isso menos importante dramática e socialmente. Uma pena é ver as possibilidades temáticas desperdiçadas por uma narrativa imatura e superficial.
Sang-ho Yeon entrou no radar dos amantes do cinema com seu filme anterior “Invasão zumbi“. Esse olhar renovado sobre as histórias de zumbi despertou curiosidades em relação a futuros trabalhos do diretor. Um sentimento frustrado com o insuficiente “Psychokinesis“.
Um resultado de todos os filmes que já viu.