“SICARIO: DIA DO SOLDADO” – Mantenha o time que está ganhando
Como lidar com o fato de ser uma continuação de algo autossuficiente, fechado e resolvido em si mesmo? SICARIO: DIA DO SOLDADO enfrenta o desafio de prosseguir a história de “Sicario: Terra de ninguém” com resultados oscilantes: por vezes, tem méritos consideráveis, por vezes, tem problemas perceptíveis.
Na trama, o misterioso Alejandro Gillick e o agente da CIA Matt Grever trabalham juntos em uma audaciosa ação secreta contra um chefão das drogas. Os planos desenvolvidos por eles envolvem o sequestro da filha de um traficante e a possibilidade de desencadear uma guerra entre cartéis. A oscilação se apresenta nos primeiros momentos do roteiro, quando é tentada estabelecer uma relação entre os cartéis e o Estado Islâmico, através de uma série de atentados a bomba nos EUA. Apesar de o roteirista Taylor Sheridan ser um profissional competente (vide seus trabalhos em “Sicario“, “A qualquer custo” e “Terra selvagem“), ele nunca consegue relacionar as duas organizações e explicar o porquê da inserção do terrorismo na narrativa. Os desdobramentos dessa subtrama também carecem de maiores desenvolvimentos: como a guerra entre traficantes beneficiaria as autoridades policiais e governamentais dos EUA? Como a política norte-americana influenciou os rumos tomados pela CIA? São subtramas até mesmo esquecidas pelo filme.
Quando tais questões são abandonadas e pontos mais semelhantes ao longa original aparecem, o ganho é gritante. O aprofundamento da ambiguidade dos personagens e de suas ações acentuam a moralidade duvidosa daquele universo e a presença incontornável de um violência generalizada – em dado momento, Matt confirma com políticos norte-americanos que ele é responsável pelo “trabalho sujo”. A ligação entre o oficial da CIA e Alejandro novamente retoma a problemática de um indivíduo movido por interesses pessoais numa operação militar. Além disso, uma subtrama adicional enfocada num jovem que entra no mundo das drogas é outro acerto para debater os impactos da violência sobre as sociedades norte-americana e mexicana e a dubiedade de todas aquelas pessoas.
Contudo, os dois principais personagens também sofrem com decisões do roteiro. Alejandro e Matt são desenvolvidos de uma forma que se diferencia muito do que foi estabelecido na obra anterior e quase cria novos personagens. As tentativas de humanização, através da criação de novas camadas, são compreensíveis, porém acabam tendo o efeito contrário do esperado: Alejandro é colocado para falar muito sobre seu passado, algo que retira do primeiro plano sua carga de mistério e sua postura continuamente ameaçadora (as sequências em que ele interage com a filha do traficante flertam com a linha tênue do sentimentalismo das memórias de sua filha); e Matt Grever precisa criar uma suposta afetividade com Alejandro, como se fossem amigos de longa data e tivessem algum grau de intimidade (a sequência em que ele está num helicóptero vendo algo que acontece com Alejandro traz uma reação incompatível com o que representa seu personagem).
Nos momentos em que essa humanização não é tentada, Matt e Alejandro voltam a ser retratados com maior eficiência em função muito mais de seus comportamentos do que por linhas de diálogo. O agente da CIA torna ainda mais claro como age através de métodos condenáveis, não se importando em torturar ou manipular pessoas a seu bel-prazer – Josh Brolin compõe um sujeito bad guy de atitudes duras e extremamente disciplinadas, sem abandonar um sorriso irônico no canto da boca. Já Alejandro ainda revela uma imprevisibilidade ameaçadora decorrente de sua postura silenciosa, de sua discrição e de suas irrupções de violência rigorosamente treinadas para qualquer situação – Benicio del Toro transmite tudo isso através de uma postura corporal imponente e de um olhar expressivo, típico de um predador prestes a atacar.
Outra qualidade está na direção de Stefano Sollima, principalmente quando recorre a estratégias visuais utilizadas anteriormente por Denis Villeneuve. A alternância entre planos gerais, que situam a ação em áreas desérticas e oprime os personagens em ambientes desafiadores, e closes nas expressões dos personagens, que evidenciam a violência iminente que os cerca a todo instante, é muito comum. O cineasta, em conjunto com seu diretor de fotografia Dariusz Wolski, também filma sequências de ação com planos longos e travellings, que imprimem realismo e impacto ainda maior por surgirem repentinamente. Um atentado a bomba num supermercado e uma emboscada no deserto são exemplos de como o estilo de filmagem é construído.
Em termos estéticos, a ambientação de um mundo tão violento e dúbio também é estabelecida graças à trilha sonora composta pela violoncelista Hildur Guðnadóttir. Ela assume pela primeira vez a condução instrumental de um filme, seguindo um estilo próximo ao de Jóhann Jóhannsson em “Sicario”, mas também definindo o seu próprio. Há acordes incômodos produzidos por violinos e por sintetizadores, capazes de criar uma batida musical facilmente reconhecível mesmo ao fim da projeção – algo importante para a construção da tensão da narrativa, vide a sequência final envolvendo Alejandro e seu desfecho impactante.
“Sicario: Dia do soldado” é um projeto audacioso por continuar uma história bem-sucedida sem contar com a protagonista anterior, Emily Blunt, e com o cineasta Denis Villeneuve. Trata-se de uma boa continuação, ainda que derrape ocasionalmente em seu roteiro e no desenvolvimento de seus personagens. Quando as características de seu antecessor retornam, a experiência desse novo filme melhora consideravelmente.
Um resultado de todos os filmes que já viu.