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“FAMÍLIA” – Raízes do passado

Nem sempre é possível escapar daquilo que nos moldou. FAMÍLIA mergulha nesse dilema ao explorar como traumas passados podem reverberar ao longo dos anos, afetando indivíduos de maneiras inesperadas. O filme tenta equilibrar um drama familiar intenso com um subtexto político, mas nem sempre encontra o tom certo para conectar esses dois elementos. O resultado é uma história poderosa sobre abuso doméstico, mas que se perde ao tentar expandir seu escopo sem o aprofundamento necessário.

A trama acompanha Luigi, que cresceu com sua mãe e seu irmão após a saída de seu pai abusivo, Franco. Agora um jovem adulto consumido pela raiva, Luigi se junta a um grupo de extrema-direita em busca de pertencimento. No entanto, quando Franco retorna à vida da família, os conflitos se intensificam, trazendo à tona feridas que nunca cicatrizaram. Em meio a essa luta interna, Luigi tenta escapar do destino que parece lhe ter sido imposto, mas suas escolhas o conduzem por um caminho cada vez mais sombrio.

(© Imovision / Divulgação)

O diretor Francesco Costabile conduz a narrativa com um olhar sutil e, por vezes, opressor, criando uma atmosfera que reflete a tensão latente dentro daquela família. As atuações são um dos grandes trunfos do filme. Francesco Gheghi, no papel de Luigi, transmite a fúria contida e a confusão emocional do personagem com intensidade. Barbara Ronchi, como Licia, entrega uma performance sensível, capturando a resiliência e o trauma de uma mulher que passou anos tentando manter sua família unida. Já Francesco Di Leva, como Franco, representa a ameaça constante que sua presença impõe à dinâmica familiar.

Visualmente, o filme trabalha com uma paleta fria e opressora, refletindo a dureza daquela realidade. O uso de flashbacks é bem dosado, nunca se tornando excessivo ou apelativo. O diretor evita expor demais o abuso, preferindo sugeri-lo por meio de olhares, silêncios e pequenos gestos. Esse recurso torna a experiência ainda mais incômoda e realista, sem recorrer ao sensacionalismo. A escolha da paleta de cores e os ambientes fechados ajudam a reforçar o clima de aprisionamento emocional e psicológico dos personagens.

O maior problema de “Família” está na subtrama envolvendo Luigi e o grupo fascista, que poderia ter sido uma extensão mais profunda de seu trauma e sua busca por identidade, mas que é mal explorada. O filme toca na questão da raiva e da necessidade de pertencimento a algo maior, mas nunca desenvolve essas idéias com a profundidade necessária. Seu tempo na prisão, após um ataque violento, é tratado de forma superficial, enfraquecendo o peso das consequências de suas ações. Ao tentar expandir seu escopo para incluir uma crítica social mais ampla, a narrativa acaba perdendo o foco nas relações mais intimistas e no impacto real do abuso na vida dos personagens. Como resultado, a história falha em desafiar o público a refletir sobre as nuances entre o passado de abuso de Luigi e o caminho que ele escolhe seguir, e a trama se perde em detalhes que não aprofundam o dilema existencial do personagem.

Outro ponto que pode incomodar é a forma como o tempo é representado. O salto na idade dos filhos contrasta com a aparência inalterada dos pais, o que pode quebrar um pouco a imersão. Esses detalhes não chegam a comprometer a história, mas chamam atenção pela falta de cuidado na continuidade.

“Família” é mais eficaz quando se concentra no núcleo doméstico. O impacto do abuso e a luta para quebrar ciclos destrutivos são o verdadeiro coração do filme. A tentativa de introduzir um subtexto político, com a radicalização de Luigi, poderia ter sido um ponto de enriquecimento, mas acaba sendo apenas um esboço de algo maior que o filme não consegue abraçar por completo. Ainda assim, é um drama que ressoa, impulsionado por atuações fortes e uma direção que entende o poder do que é deixado nas entrelinhas. O impacto emocional das relações familiares, o peso do abuso e a tentativa de reconstrução, mesmo que falha, são os elementos que dão força ao filme, apesar de suas limitações.