“UMA PROFISSÃO SÉRIA” – Retrato disperso [MFFF 2025]
O cotidiano dos professores no ensino básico e a dinâmica em sala de aula já foram temas explorados muitas vezes no cinema. “Sociedade dos poetas mortos“, “Ao mestre com carinho“, “Mentes perigosas“, “Escritores da liberdade” e “Entre os muros da escola” são alguns exemplos. O último título, por sinal, pode ser evocado quando se assiste a UMA PROFISSÃO SÉRIA e não apenas por ambos serem franceses. Há um esforço de observar e registrar os acontecimentos, as dificuldades, os conflitos e a satisfação do trabalho de forma naturalista e espontânea como se não se estivesse diante de um filme. Porém, ocorre uma distância entre a proposta apresentada em si e a regularidade de sua execução como um todo.
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Um novo ano letivo se inicia após a conclusão das férias. Pierre, Meriem, Fouad, Sandrine, Alix e Sofiane são professores engajados e unidos que já estão há algum tempo no mesmo colégio. Benjamin se junta a eles como um substituto jovem e inexperiente que logo se depara com os problemas da profissão. O contato entre os colegas os fazem descobrir momentos de paixão ainda viva pelo trabalho em meio aos obstáculos de uma instituição fragilizada.
A chegada de Benjamin na escola é o ponto de partida que evidencia a principal lacuna da narrativa: a ausência de uma linha mestra que oriente o foco do que se vê ao longo de uma hora e quarenta minutos. A princípio, o diretor Thomas Lilti demonstra interesse pelo dia a dia naquele ambiente, sobretudo os dilemas dos professores e as relações entre eles em seu ofício. Nas primeiras sequências, ele mostra as dúvidas de jovens profissionais para captar a atenção dos alunos, as dicas passadas pelos mais experientes, a adaptação a um novo local, as experiências com práticas didáticas diversificadas e o estudo de novas estratégias para as aulas seguintes. Tais passagens parecem dispersas porque seguem um conflito muito claro dentro do corpo docente e inserem certos trechos desconectados do que se via até então, como a presença de uma avaliadora dos métodos de ensino em algumas aulas.
Thomas Lilti também oscila na maneira como pretende decupar as cenas. Inicialmente, a encenação naturalista e observadora possui uma intervenção formal mais evidente do diretor. Na sequência dos créditos iniciais, imagens de arquivos são justapostas para apresentar a entrada e a saída de alunos das escolas, as interações dentro de sala de aula, o descanso no horário do intervalo, as refeições feitas em grandes salões e outros momentos na mesma linha. Além disso, a câmera passeia pelos corredores do estabelecimento observando os personagens e suas dinâmicas em um estilo quase documental, graças ao uso do equipamento na mão, seus movimentos mais trêmulos e representações espontâneas dos eventos. Tempos depois, a decupagem muda e a linguagem cinematográfica se torna transparente em busca de ocultar a presença da câmera e de escolhas estilísticas do realizador. Poderia ser uma proposta eficiente por si só caso não perdesse em criatividade e tentasse emular “Entre os muros da escola” sem uma sensibilidade própria ou uma ideia mais bem refinada da construção visual.
Mais adiante, a narrativa toma outro rumo quando um incidente específico com um dos alunos busca chamar a atenção para as turmas e suas relações com os professores. Benjamin tem um sério problema com um jovem que se recusa a aceitar a nota baixa dada em um trabalho e tudo que se segue a partir dali complica a situação (erros do profissional para lidar em sala com os questionamentos, reação impulsiva do menino, discussão agressiva fora do ambiente escolar e resolução por um conselho de disciplina). O conflito seria uma boa chance de trabalhar questões relevantes, como a falta de suporte da direção, a complexidade das relações interpessoais com os adolescentes, o desinteresse dos estudantes por matérias consideradas por eles inúteis ou desenvolvidas de forma enfadonha e a responsabilidade dos docentes pelos destinos de indivíduos em casos extremos. As oportunidades são desperdiçadas devido ao não aproveitamento do diretor como um sujeito distante ou rígido e à descaracterização dos alunos apenas como números a encher as turmas, pois nenhum deles tem sua própria história e recebe a devida atenção com tempo de tela para se aproximar de suas emoções.
Em sequências posteriores, o filme novamente aponta para outra direção. Ao invés de abordar a dinâmica escolar e as interações entre professores e estudantes, a narrativa se volta para os arcos individuais de alguns docentes apesar da união entre eles não ser esquecida nem deixada de lado. Vincent Lacoste cria Benjamin como um indivíduo indeciso sobre suas escolhas por ter se formado em outras áreas que não a Matemática que leciona e sem contato com o público juvenil, sendo também pressionado pelo pai. Adèle Exarchopoulos faz Meriem conviver com a contradição de ser querida pelas turmas, mas não se relacionar tão bem com o filho. Louise Bourgoin concebe Sandrine como outra personagem em conflitos maternais devido à personalidade agressiva do filho. François Cluzet interpreta Pierre como alguém afetado pelos longos anos de trabalho e pelas frustrações de não encontrar novos meios para dar aula e lidar com as expectativas familiares. E William Lebghil constrói Fouad como um sujeito cheio de energia e dedicado ao que faz, apesar de decepções na sua vida pessoal.
No desenvolvimento das trajetórias de cada professor, “Uma profissão séria” encontra uma cena que poderia ser a síntese dos esforços feitos por Thomas Lilti. Em dado momento, Sandrine sofre um colapso em sala de aula por conta da combinação desgastante de problemas familiares e desrespeito de um estudante. A frase anterior está no condicional (“poderia”), pois existe uma distância entre a intenção e a execução propriamente dita. O filme parece se esforçar para abordar o universo, ao mesmo tempo, tenso e recompensador da docência. Tenso em função das atribulações enfrentadas no cotidiano, algumas bastante graves, e recompensador em virtude das boas relações construídas nessa mesma rotina. Seria uma ideia geral interessante de se trabalhar se não fosse pela dispersão de não saber que foco narrativo assumir e pelas fragilidades de não conseguir concluir os arcos dos personagens a contento.
* Filme assistido durante a cobertura da 15ª edição do My French Film Festival (2025), disponível em plataformas online como a Filmicca.
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