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“O JOGO DA RAINHA” – Entre traições e ambições

O jogo de poder na Inglaterra do século XVI é o centro de O JOGO DA RAINHA, um drama histórico que desmistifica a pompa da nobreza britânica, revelando as complexidades e os desafios de sobreviver em meio a intrigas e paranoias constantes. A trama aborda com profundidade as nuances de controle e manipulação que definiam o reinado de Henrique VIII, expondo as reais motivações que conduziram as ações políticas e pessoais da época. O filme adota uma abordagem crua e realista, ressaltando o alto custo humano e psicológico de viver sob vigilância constante e desconfiança. Essa visão pouco glamorosa não apenas ilumina as engrenagens do poder, mas também destaca as tensões entre aparências impecáveis e as verdadeiras ambições que movem os jogos políticos.

A trama segue Katherine Parr, a sexta e última esposa de Henrique VIII, que assume o papel de regente enquanto o rei se encontra em batalha. Durante esse período, ela não apenas governa, mas também se esforça para promover reformas religiosas e criar alianças políticas. No entanto, a situação muda drasticamente com o retorno do monarca, gravemente doente e cada vez mais paranoico. A partir de então, Katherine precisa usar toda a sua inteligência e astúcia para sobreviver a um jogo de traições e disputas de poder, em que sua própria vida está em risco. 

(© Prime Video / Divulgação)

Apesar da tensão intrínseca à história, em alguns momentos o jogo político acaba ficando monótono, o que dilui parte do impacto que a narrativa poderia ter. A direção de Karim Aïnouz marca um passo ousado para o cineasta, sendo seu primeiro projeto internacional. Ele demonstra coragem ao rejeitar a abordagem tradicionalmente reverente à nobreza britânica, optando por uma perspectiva mais crítica e desmistificadora. Ele coloca a mecânica do poder em primeiro plano, explorando como as decisões políticas e pessoais são moldadas por interesses e medos. No entanto, embora o filme apresente momentos que evidenciam sua marca criativa, falta um senso mais consistente de identidade, como se a produção estivesse dividida entre as demandas de um cinema de estúdio e a visão particular do diretor.

A interpretação de Alicia Vikander como Katherine Parr é um dos pontos altos do filme. Sua atuação é contida, mas carregada de nuances, capturando a inteligência e a resiliência de uma mulher que precisa equilibrar o dever com o instinto de sobrevivência. Jude Law, por outro lado, entrega uma performance assustadora como Henrique VIII. Seu retrato do rei é marcado por uma combinação de fragilidade física e uma presença ameaçadora, criando um personagem complexo e memorável. Junia Rees também se destaca como a jovem Princesa Elizabeth, sugerindo as sementes da futura monarca poderosa que ela se tornaria.

A trilha sonora de Dickon Hinchliffe é outro elemento que merece destaque. Com uma combinação de melancolia e tensão, a música ajuda a construir a atmosfera opressiva da corte e reforça as emoções em momentos chave. As composições não apenas acompanham os eventos, mas também intensificam a carga dramática das cenas mais marcantes, criando uma experiência sensorial envolvente. A direção de arte e o design de produção também impressionam, criando uma ambientação autêntica que transporta o espectador diretamente para o turbulento contexto da época. O figurino, cuidadosamente elaborado, reforça a imersão e adiciona camadas à narrativa, refletindo não apenas a hierarquia social da época, mas também os conflitos internos dos personagens, tornando cada cena visualmente impactante.

Em resumo, “O jogo da rainha” é um drama de época que se destaca por sua ambientação autêntica, atuações fortes e uma trilha sonora envolvente. Contudo, a direção de Karim Aïnouz não atinge todo o seu potencial, resultando em um filme que é competente, mas que poderia ter sido muito mais marcante. Ainda assim, é uma obra que merece ser vista pela maneira como aborda o poder e a sobrevivência em um dos períodos mais turbulentos da história inglesa. É uma produção que instiga reflexões sobre o custo pessoal de viver em um sistema dominado por jogos de poder e traição, além de ser uma experiência cinematográfica que transporta o espectador para um mundo de opulência e tensão palpáveis.