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“SALÃO DE BAILE: THIS IS BALLROOM” – Corpos em resistência, expressão de vida e luta

A cultura do ballroom, que tem suas raízes em Nova York, é mais do que apenas uma expressão artística; é um símbolo de resistência e reinvenção. SALÃO DE BAILE: THIS IS BALLROOM é uma janela para esse universo vibrante que, 50 anos após sua origem, continua a desafiar normas sociais e a transformar vidas, especialmente entre os jovens LGBTQIAPN+. O documentário não apenas exibe as performances deslumbrantes, mas também revela as complexas realidades sociais e emocionais de seus participantes, abordando questões de identidade, marginalização e acolhimento. Ao equilibrar arte e desafios pessoais, o filme proporciona uma reflexão poderosa sobre o poder da arte como forma de resistência e autoafirmação.

No longa, somos levados a acompanhar o cotidiano de jovens que, nas periferias do Rio de Janeiro, recriam o universo do ballroom de uma forma completamente genuína, ao mesmo tempo que carregam as influências e os dramas pessoais de suas realidades. O filme explora a trajetória desses corpos que desafiam as convenções sociais, ao mergulharem no voguing e nas categorias de competições que marcam a cena. Em meio ao glamour e à beleza das apresentações, o documentário destaca a dureza das vivências pessoais: a exclusão familiar por conta da sexualidade, a falta de apoio da sociedade e o árduo processo de se afirmar em uma realidade difícil. O destaque vai para as “mães” das casas, que, além de orientar os jovens na dança, também são responsáveis por acolher os desamparados, criando um ambiente de afeto que vai além da arte.

(© Retrato Filmes / Divulgação)

O filme mergulha nas questões sociais e emocionais que permeiam o universo do ballroom, abordando as categorias das apresentações como um processo de identificação e afirmação para seus participantes, muito além da simples exibição de coreografias. A música e a dança se tornam linguagens poderosas que permitem aos indivíduos expressar e afirmar suas identidades em um ambiente onde, muitas vezes, são marginalizados. Dirigido com sensibilidade e respeito por Juru e Vitã, o documentário apresenta uma representação fiel desse universo complexo e multifacetado, com destaque para a cena do Rio de Janeiro e sua conexão com a cultura global do ballroom. A arte de shade, o voguing e as categorias são capturadas de forma vibrante, sem perder de vista as histórias de vidas e as narrativas de resistência por trás de cada performance, tornando o filme ainda mais relevante ao refletir sobre os desafios sociais enfrentados pela comunidade LGBTQIAPN+ no Brasil.

Outro ponto importante que o filme toca é a relação das “mães” das casas com seus filhos adotivos, um vínculo profundamente afetivo e transformador. Elas são as cuidadoras da cena, cuidando das necessidades emocionais e sociais de seus pupilos, muitos dos quais foram abandonados pelas suas famílias de origem. Esse olhar acolhedor é central para o filme, pois demonstra a importância da comunidade e da solidariedade dentro de uma subcultura que, muitas vezes, é estigmatizada. Como uma das juradas do evento afirma: “é preciso estudar”. Ao se referir à técnica e à disciplina envolvidas, essa frase remete ao conceito de que o ballroom não é apenas uma expressão de resistência, mas também uma prática artística que exige dedicação e respeito.

No entanto, o filme também não se esquiva de mostrar as tensões e desafios que surgem dentro dessa cultura. A rivalidade e os conflitos internos são destacados. As competições, que inicialmente parecem um espetáculo de pura exibição de habilidades, acabam se revelando um campo de disputas mais profundas, com implicações de identidade, reconhecimento e poder dentro da própria cena. 

Salão de baile: this is ballroom” é uma obra que transcende as barreiras da arte, oferecendo uma visão crua e emotiva de um universo que continua a resistir e a se reinventar. Ao mesmo tempo que celebra as performances e a beleza da cena, o documentário se aprofunda nas questões de acolhimento, marginalização e identidade, tornando-se um retrato poderoso e necessário da comunidade LGBTQIAPN+ no Brasil. As histórias e as lutas desses jovens são, sem dúvida, uma forma de resistência, e o filme é um lembrete vívido de que, apesar das adversidades, a arte e a solidariedade têm o poder de transformar e afirmar identidades.