“MEGALÓPOLIS” – Escondendo a obra, divulgando o realizador
Faz sentido que o aclamadíssimo Francis Ford Coppola tenha vindo ao Brasil promover seu filme. Também faz sentido que a sessão de MEGALÓPOLIS para a imprensa tenha tido uma restrição entre os veículos convidados, ficando mais vazia do que poderia. No caso da pré-estreia, faz sentido que convidem mais influencers do que críticos. Na Masterclass oferecida por Coppola, a grande maioria da plateia sequer havia visto o filme ainda. A reputação do filme o precede mesmo antes da sua estreia no Brasil, então é melhor tentar escondê-lo.
No terceiro milênio, a cidade de Nova Roma observa a disputa pelo poder de duas figuras: o ganancioso prefeito Franklin Cicero e Cesar Catilina, um artista genial favorável a um futuro utópico e presidente da “Autoridade de Design”. No meio da disputa está Julia, filha de Franklin que se apaixona por Cesar e que deseja que a inimizade entre eles acabe.
“Megalópolis” é o tipo de filme com uma grandiloquência estridente. Trata-se de um projeto pessoal de Francis Ford Coppola (bancado por ele), que assina o roteiro e a direção, sendo perceptível a sua devoção pela Nova Roma. Há muito esmero na construção de um universo próprio, com um funcionamento específico e, principalmente, uma estética singular. Com isso, o que mais brilha é o design de produção, com uma arquitetura que mescla arranha-céus de estilo contemporâneo e também edificações de estilo clássico romano. Sobram no campo formas geométricas variadas, com linhas perceptíveis em cada plano para enriquecer aquele universo. É tudo muito belo, destacando-se especialmente o cenário de um relógio nas alturas, onde ocorrem cenas de um deslumbre gráfico inegável. Com bastante dourado, a fotografia recebe muitos efeitos de pós-produção, o que parece estranho no início, mas é coerente quando se considera que o filme se passa em um futuro levemente surreal.
Com grande controle do ritmo – exceto ao final, que é repentino e mal construído pelo roteiro -, o emprego de split screen e de animações, por exemplo, dá dinamicidade à trama. A teatralidade das atuações, com referências a Hitchcock (inclusive o uso de um MacGuffin) fazem parte da proposta, mas o excesso de citações (de Shakespeare a Marco Aurélio) faz parecer que o roteiro tenha perdido tempo selecionando excertos bonitos de um livro que as compila. Há também exagero nas referências (Pandora, Jardim do Éden etc.), quase sempre dispensáveis, e o lado surreal da narrativa, como o “poder” de Cesar, é pedante demais. Nesse último caso, a ideia soa como se Coppola tivesse se colocado no próprio filme (no papel de Cesar) da maneira mais autoindulgente possível, declarando que gênios estão acima dos reles “mortais”. Com seus momentos voltados ao etéreo, o filme alcança o ápice da sua beleza, mas não passa disso.
O roteiro é paupérrimo e preenchido de ideias desconexas do principal, como a do satélite e mesmo o backstory de Cesar, que compõe a sua personalidade, mas não é bem articulado à trama. Como um brainstorm randômico, Coppola trata da gentrificação sem dar maiores detalhes (priorizando em demasia a disputa do prefeito e do gênio), e da política barata (o oportunismo de Cicero, o populismo de Clodio) sem nenhum senso crítico. Há espaço até mesmo para um cover de Elvis Presley, que em nada acrescenta ao filme, mas se faz presente.
Seria possível argumentar que se trata de um roteiro character-driven. Porém, na prática, apenas duas personagens têm tempo de tela suficiente. A primeira não poderia deixar de ser Cesar, vivido por um dedicado Adam Driver, que, todavia, não consegue superar as limitações do protagonista, sobretudo o seu perfil que não poderia ser mais clichê. Cesar é o gênio incompreendido, aquele que tem um passado de sofrimento e que hoje mergulha em projetos pessoais com obsessão sem igual. Nathalie Emmanuel interpreta Julia com delicadeza, mas não há profundidade alguma na personagem. Como coadjuvantes com alguma importância, Giancarlo Esposito tem em Cicero mais um clichê em geral e mesmo da sua carreira (mais uma personagem poderosa marcada pela frieza de seus comportamentos) e Shia LaBeouf se diverte em um overacting entediante para o público (por sinal, qual seria a motivação de Clodio para odiar Cesar?). No elenco estão ainda Aubrey Plaza, Jon Voight, Laurence Fishburne e Dustin Hoffman, todos irrelevantes.
O caráter de enormidade dado a “Megalópolis” faz dele um amontoado de ideias sem nexo, largadas em um texto que não cria uma narrativa envolvente nem personagens cativantes. Esplendoroso do ponto de vista estético, o longa de Coppola é ruim, isto é, trata-se de um filme ruim, mas belo. Isso explica o seu marketing usando a figura do cineasta para promover a produção, pois ela fala por si só. Para os distribuidores, ao invés de divulgar a obra (para que todos percebam sua má-qualidade), é melhor escondê-la e divulgar, diversamente, o seu realizador.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.