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“ENTERRE SEUS MORTOS” – Quimera impressionante [48 MICSP]

“Impressionante”: eis uma boa palavra para descrever o trabalho feito em ENTERRE SEUS MORTOS. A conotação atribuída à palavra, porém, não é positiva: o trabalho impressiona por ser extremamente ruim. De fato, impressiona como uma ideia potencialmente interessante, baseada em um livro de renome, consegue se tornar uma quimera com extrema dificuldade de conseguir elogios.

Na pequena cidade rural de Abalurdes, Edgar Wilson trabalha como recolhedor de animais mortos nas estradas junto de Tomás e Nete. Tomás é seu colega de trabalho e é um ex-padre excomungado que faz a extrema-unção de quem cruza seu caminho. Nete é a chefe dos dois e namorada de Edgar Wilson, que almeja fugir de Abalurdes com ela. Ao redor deles, os sinais do fim dos tempos são crescentes.

(© Globoplay / Divulgação)

Há tantos problemas em “Enterre seus mortos” que é difícil começar. São sete capítulos irregulares (sem olvidar o ritmo tortuoso), compartilhando, todavia, a má qualidade. Sua ordem em contagem regressiva, à medida que passa, parece uma caminhada para o fim de uma tortura. Paradoxalmente, é bastante claro o intento pretensioso do filme de Marco Dutra. Sua filmografia é pautada pelo terror, porém aqui não apenas ele é ineficaz como a sua mescla com outros gêneros é muito mal articulada. A famosa expressão “salada”, metáfora para uma mistura desordenada, serve muito bem para traduzir o que existe no longa. A cena em que Edgar Wilson e Tomás chegam no ambiente de trabalho da pesquisadora, por exemplo, tem um design de produção coerente com um sci-fi, mas a cena parece pertencer a outro filme. A situação das crianças, por exemplo, não é remotamente conectada ao terror.

Tudo no longa é caricatural, às vezes beirando o risível, sobretudo no que se refere a uma religião com ares de seita criada às vésperas do apocalipse. A estética e o modus operandi dessa religião são claramente importados dos EUA, não funcionando na realidade brasileira (em especial em uma cidade de interior e de caráter bucólico) simplesmente por não convencer. Situação distinta seria se Dutra tivesse criado uma seita considerando as idiossincrasias nacionais. Da maneira como é apresentada, essa seita não ganha a mínima condição de verossimilhança, mesmo considerando o tom fantástico do filme.

Igualmente caricaturais são as atuações, em que pese aos bons nomes do elenco como Marjorie Estiano (a sua cena de destaque é pavorosa), Betty Faria e Selton Mello. Há uma cena envolvendo Mello em que o ator se empenha em convencer e criar uma atmosfera sombria ao mudar a personalidade de Edgar Wilson, porém naquele momento o longa já havia perdido seu público há muito tempo. Aliás, é exatamente isso que acontece: como se fosse uma corda puxada até seu limite desde o começo, essa corda arrebenta e o filme se torna completamente desinteressante. É verdade que os minutos iniciais são muito bons, principalmente pelo visual que se aproxima do western, porém depois disso a obra perde o seu rumo.

Provavelmente o livro de Ana Paula Maia tem maior consistência que o resultado apresentado por Dutra, cuja ausência de construção de um universo sólido, apresentado progressivamente ao espectador, colabora para o saldo negativo. Como uma quimera sem nexo, o diretor impressiona por, dessa vez, fazer uma atrocidade.

* Filme assistido durante a cobertura da 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).