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“NO CÉU DA PÁTRIA NESSE INSTANTE” – Inevitável conclusão [48 MICSP]

É difícil assistir a NO CÉU DA PÁTRIA NESSE INSTANTE sem compará-lo com Apocalipse nos trópicos, de Petra Costa (ambos exibidos na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo). Embora o seu recorte cronológico não seja exatamente o mesmo, tampouco a sua perspectiva, eles são do mesmo ano (2024) há identidade substancial no objeto fático de estudo, a saber, as eleições de 2022 e os eventos ocorridos em Brasília em 8 de janeiro de 2023. A inevitável comparação leva a uma inevitável conclusão.

Através da vivência de pessoas engajadas no certame eleitoral de 2022, o longa acompanha os meses precedentes à invasão dos prédios do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, em 8 de janeiro de 2023. Com isso, constatam-se dois grupos que não dialogam, cada um enxergando uma realidade específica, sem enxergar a do outro.

(© O2 Play / Divulgação)

Essa ideia de impossibilidade de diálogo está presente logo nos primeiros minutos, quando uma mulher afirma aceitar ser entrevistada somente “se a cineasta não for de esquerda”, ou seja, (nas suas palavras) “se for do bem”. Ela pede desculpas pela sinceridade, mas seu discurso é claramente hostil, declarando não saber o que uma pessoa faz no Brasil se é de esquerda. Todas essas falas ocorrem inicialmente sem imagem alguma, metáfora para a obscuridade constatada pela diretora Sandra Kogut.

Do ponto de vista do formato, o documentário de Kogut tem caráter clássico, com elementos comuns do estilo como a pontuação dos nomes e datas, texto descritivo e câmera na mão. Sua voz aparece em raros momentos, ela é pouco participativa e a pessoalidade é praticamente inexistente (o oposto do estilo de Costa). Seu filme é mais expositivo do que explicativo, o que ela propõe é a constatação de um cenário político através da sua apresentação e convida o público a uma reflexão a esse respeito, sem tentar encontrar soluções, tampouco justificativas para esse cenário. Isto é, o contexto de polarização é dado como fato, pouco importando como o Brasil chegou a ele, pois mais importante é percebê-lo e, evidentemente, pensar em como ele pode ser solucionado.

A narrativa de Kogut se pauta no processo eleitoral propriamente dito, porém em uma perspectiva muito distinta de Apocalipse nos trópicos: enquanto Costa expõe a política vista de cima, isto é, pelo olhar de figuras notórias e proeminentes (incluindo os principais nomes da disputa), Kogut faz exatamente o contrário, exibindo a política capilarizada, vista de baixo, pelo olhar das pessoas comuns como Milena, Neli e Ferreirinha, dentre outras. Com isso, o que aparece é a campanha, a expectativa, o trabalho dos mesários, a seriedade com que o processo eleitoral é conduzido, a confiabilidade das urnas, as dificuldades enfrentadas (pessoas querendo voltar porque teriam votado errado, a boca de urna, a atuação criticável das autoridades policiais) etc. Outro elemento importante que surge é o medo, reflexo dos pensamentos dos dois lados. Ferreirinha tem medo do comunismo (sic) a ser instaurado por Lula caso eleito (sic), razão pela qual sua intenção é sair do país. Milena tem medo de aparecer com sua camiseta lulista em uma região bolsonarista e ser agredida. Há, todavia, uma diferença: Milena vive um episódio real de hostilidade contra si; Ferreirinha, quando encurralado, insiste em sua posição sem fundamento e – sem surpreender – desiste do diálogo.

O grande diferencial de “No céu da pátria nesse instante” acaba sendo o trabalho de Kogut em “garimpar” suas personagens, cuja participação enriquece o argumento da absurda polarização e demonstram que, independentemente do grau de esclarecimento político, muitas pessoas não ficaram alheias à política. Com maior ou menor ativismo, as personagens do longa sentiam que estavam fazendo o certo pelo país. A política, afinal, é também feita das pessoas comuns que contam a venda dos produtos (bandeiras e camisetas) de cada lado (o vendedor), que treinam os mesários (Edivan) e que acompanham a retidão do certame (Neli). Além de construir um final irreverente para o seu filme, o que acaba sendo ótimo, Kogut demonstra a habilidade de elaborar uma obra que foge dos fatos notórios e cativa o espectador pela identificação. Na comparação com o filme de Petra Costa, inevitável concluir que o de Sandra Kogut é bem melhor.

* Filme assistido durante a cobertura da 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).