“VENOM: A ÚLTIMA RODADA” – Viver o bastante
“Venom”, de 2018, não é uma completa perda de tempo, apesar da sua qualidade, no máximo, medíocre. “Venom: tempo de carnificina”, de 2021, não apresenta avanços substanciais em relação ao anterior, sendo uma continuação sem brilho próprio. O suposto encerramento da trilogia com VENOM: A ÚLTIMA RODADA certamente não ultrapassa a mediocridade do primeiro longa, mas não é um desfecho completamente ruim.
Eddie e Venom precisam fugir, pois estão sendo procurados pela polícia, pelo Exército e por criaturas comandadas por um vilão destruidor. A única solução que se afigura viável para garantir o menor dano possível é a mais radical.
Em seu primeiro trabalho na direção, Kelly Marcel apresenta erros técnicos que não passam despercebidos. Exemplo disso está na montagem, com problemas de continuidade (como quando a caçadora de simbiontes, em um primeiro momento, aparece na cidade, perto de Venom, para depois aparecer mais longe) e um tom frenético mesmo quando isso não é necessário (como na cena em que toca “Dancing queen”). A trilha musical é extremamente clichê e há cenas com uma inverossimilhança absurda (como a decisão estúpida de dançar na forma completa sabendo que isso atrairia a caçadora). Cabe lembrar que Marcel é também roteirista dos outros dois filmes e da “joia” incomparável “Cinquenta tons de cinza”.
Outra dificuldade que Marcel demonstrou foi na direção de atores, uma vez que todos estão péssimos. Tom Hardy repete pela terceira vez um papel com o qual já está acostumado e, considerando o perfil rabugento de Eddie, não é com ele que ficam os maiores problemas do elenco. Quanto aos demais, porém, a fragilidade do roteiro – escrito por Marcel e Hardy – é fundamental para dificultar boas atuações. Juno Temple é dotada de uma aura de ingenuidade que não combina com a cientista que precisa ser; além disso, sua personagem é o clichê da cientista fascinada pelas suas perigosas pesquisas. O outro lado da moeda é o clichê da força bruta, personagem que coube a Chiwetel Ejiofor como o militar truculento. Qualquer comparação com “Alien, o oitavo passageiro” seria ofensiva ao clássico, embora seja uma inspiração evidente. Ejiofor é completamente incapaz de reproduzir o pesar pelos soldados mortos; Temple não demonstra a racionalidade de uma pesquisadora.
O texto é problemático também em outros aspectos, a começar pelo fato de não conseguir criar nenhum coadjuvante apto a gerar o mínimo interesse. A personagem de Temple possui um backstory, é verdade, porém ele é irrelevante na narrativa. O vilão serve como cortina de fumaça para o vazio narrativo e as justificativas a seu respeito são insatisfatórias. O roteiro é até mesmo contraditório, pois é expositivo demais no que não deveria. Por exemplo, não faz sentido que o general explique o funcionamento da Área 51 para a cientista, ambos já têm esse conhecimento, que, na realidade, sequer carecia de explicação, dada a sua obviedade. Por outro lado, o texto tem lacunas inexplicáveis, como o Programa Imperium, “Os Seis” e, em especial, a história pregressa do vilão, que é muito mal explicada (apesar de haver dois momentos em que isso é supostamente esclarecida). Rhys Ifans tem uma personagem que poderia ser interessante se melhor trabalhada; da maneira como aparece, exerce apenas uma função instrumental dentro do trecho road movie da obra. Esse trecho, contudo, é de pouca valia na narrativa como um todo, servindo mais para conduzir Eddie (e Venom) de um local a outro do que para agregar ao todo. Seria uma oportunidade para demonstrar seu lado humano, o que é tentado, porém sem êxito algum.
A despeito de todas essas falhas, “A última rodada” não é o pior da trilogia, superando o anterior em termos de tom. O abandono do flerte com o terror do filme anterior foi acertado, funcionando um pouco melhor como um sci-fi. O humor é majoritariamente ruim, mas há piadas que funcionam e a medida em que ele surge é bastante aceitável. Da mesma forma, as cenas de ação não são completamente desprezíveis, tendo boas coreografias usando a corporalidade específica de Eddie e Venom. A cena com os cachorros é um resumo bastante adequado do filme: boas interações na ação, pouco conteúdo e uma inutilidade completa dentro do conjunto. É um encerramento quase razoável para um herói forçado (pelo estúdio, evidentemente) a sê-lo. Ele não viveu o bastante para se tornar vilão.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.