“O SENHOR DOS MORTOS” – A erosão pelo desenvolvimento [48 MICSP]
Em O SENHOR DOS MORTOS, uma trama de suspense que chama a atenção pela peculiaridade erode à medida que se desenvolve. Ao invés de progredir, que é o que se espera, a narrativa caminha em uma espiral repetitiva e desinteressante. É um filme em que um bom diretor desperdiça um bom elenco e uma boa ideia.
Karsh é um empresário rico que está em luto pelo falecimento da sua esposa, Becca. Em razão do mesmo evento, ele cria uma tecnologia que permite aos vivos monitorar as pessoas falecidas, em suas mortalhas, em tempo real. Quando seu cemitério é vandalizado, inclusive a lápide de Becca, ele faz de tudo para encontrar os culpados.
O filme abrange os temas comumente abordados na filmografia de David Cronenberg, que, dessa vez, não elabora uma de suas melhores obras. Em um híbrido de ficção científica (pelo plot e pela trilha musical) e horror corporal (também pelo plot, em especial a partir de determinado momento da trama, e pelo caráter gráfico que o longa assume, ainda que não se filie ao gênero), Cronenberg se debruça mais uma vez na relação entre, de um lado, o comportamento humano, e, de outro, a tecnologia (ou, mais precisamente, as novas tecnologias).
Com deboche, aparecem elementos reais, como o encontro às cegas (cuja cegueira se torna difícil nos dias atuais) e a assistente pessoal do protagonista em forma de inteligência artificial (similar à do filme “Ela”, embora sem a mesma centralidade), bem como aqueles que habitam o universo diegético e refletem a excentricidade de Karsh (a começar pela GraveTech, sua empresa). Cronenberg injeta ainda tons de sátira na via cômica da sua obra, elastecendo a morbidez de Karsh e o mau gosto da sua IA.
No elenco estão Vincent Cassel como o protagonista e Diane Kruger em três papéis distintos. Karsh é a única personagem sólida, mantendo a coerência do começo ao fim (ou quase, talvez). O melhor desempenho de Kruger está em Hunny, pois as outras duas personagens são demasiado unidimensionais. Completam o elenco Guy Pearce e Sandrine Holt, ambos com bons trabalhos. Logo, as falhas de “O senhor dos mortos” não estão nessa parte do filme.
O que é perceptível ao assistir ao longa é que ele perde força à medida que a trama avança justamente porque ela não avança. Surgem teorias conspiratórias infindáveis, sem jamais sair do lugar. Esse raciocínio rocambolesco pode ir muito longe e efetivamente vai longe, de modo que o suspense instigante do início (o que significam aquelas imagens? Quem vandalizou o cemitério?) dá lugar a uma metralhadora de paranoias e alucinações que obstam uma progressão narrativa. Da mesma forma, o subtexto político não leva a nada. A ideia de que ninguém é confiável e que muitas explicações são possíveis torna o desfecho ainda mais decepcionante. Em síntese, o mistério elaborado em poucos minutos gera algum interesse, mas não consegue se manter cativante.
* Filme assistido durante a cobertura da 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.