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“OS MALDITOS” – Aquela guerra específica [48 MICSP]

A reflexão proposta por OS MALDITOS poderia valer, na verdade, para a grande maioria dos filmes de guerra. Afinal, a maioria dos filmes de guerra defende a não ocorrência de qualquer guerra. Sua especificidade, assim, reside na sua estética elogiável, que, ainda assim, não preenche a lacuna deixada pelo roteiro.

Entre 1861 e 1865, a União, de um lado, e os Confederados, de outro, travaram a Guerra Civil dos Estados Unidos, conhecida também como Guerra da Secessão. Durante um gélido inverno nesse período, o Exército envia soldados voluntários para a região do sul com o escopo de patrulhamento das fronteiras. A empolgação inicial dos soldados se esvai, contudo, à medida que o frio aumenta.

(© Okta Film / Divulgação)

Como mencionado, a direção de Roberto Minervini é de precisão e muito bom gosto estéticos. Na fotografia, a natureza exerce função central para demonstrar a progressão do frio para o frio extremo. Se na primeira metade os soldados se esquentam com atividades em conjunto, muitas vezes físicas (baseball, luta), na segunda, a neve praticamente os priva de movimentações além das necessárias. Essa transição se reflete com o número de soldados e, sobretudo, com o seu moral, que é abalado com o clima hostil, as condições precárias e, sobretudo, a conclusão a que chegam. Gráfica e sonoramente, o longa é claramente inspirado em “O regresso” (em especial na fotografia), com um estilo naturalista e planos longos. A experiência é imersiva e se assemelha ao documental diante do grau de verossimilhança.

Uma das personagens é um jovem com firmes convicções religiosas; a religiosidade de alguns integrantes é enfatizada pelo roteiro, que, todavia, não problematiza essa questão para além do extremo oposto a que alguns soldados chegam diante do que vivem. É justamente nesse quesito que o script deixa a desejar: a despeito de diálogos razoáveis sobre a fé (e sua ausência), eles não são associados àquele cenário específico, o que significa que os diálogos poderiam ocorrer em inúmeros outros filmes de guerra. A ideia governante segundo a qual a guerra não tem sentido perde a sua força quando são ignoradas por completo as idiossincrasias daquela guerra específica. Como mencionado, a conclusão é a mesma na maioria dos longas com a mesma temática.

Ignorando a disputa sobre a escravidão dos negros, o intento separatista do sul e as divergências religiosas, tudo o que é peculiar naquele confronto se dissolve, restando somente o senso-comum de qualquer pessoa razoável (isto é, que defende a paz): guerras são ruins e pessoas sofrem quando elas ocorrem. É interessante perceber como os soldados ganham a consciência de que a sua vontade patriota é vazia, mas isso não é novo em um filme de guerra. A motivação dos soldados talvez seja o ápice do roteiro, mas é explorada apenas em diálogos pontuais. A produção – cujo nome original, “The damned”, foi mal traduzido para “Os malditos”, quando deveria sê-lo para algo como “Os amaldiçoados” – é um convite a uma empreitada sensorial de altíssimo nível, mas deixa a desejar no seu conteúdo.

* Filme assistido durante a cobertura da 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).