“O MAIOR BOCEJO DA HISTÓRIA” – A Filosofia não basta [48 MICSP]
Há diversos filmes que se aproveitam da Alegoria da Caverna para criar uma narrativa própria. De clássicos como “O anjo exterminador” e “Matrix” a produções mais recentes como “Ilha do medo” e “O quarto de Jack”, vários longas, de maneira mais ou menos direta, se aproveitam da metáfora do diálogo presente em “A República”, de Platão. É o caso de O MAIOR BOCEJO DA HISTÓRIA, filme que, todavia, parece entender que essa grandiosa base filosófica é suficiente para a sua qualidade.
Beitollah tem um sonho reiterado envolvendo uma caixa de ouro que se encontra no fundo de uma caverna. Em razão de sua crença religiosa, porém, não lhe é permitido chegar ao fundo dessa caverna. Diante disso, ele contrata o jovem Shoja para fazer essa parte do serviço, prometendo que dividiriam a fortuna. O que se inicia como uma caça ao tesouro de uma dupla acaba gerando interesse de outras pessoas.
Com uma estética naturalista, o diretor Aliyar Rasti dá ênfase, na trilha sonora, aos ruídos intradiegéticos, que, por sua vez, enfatizam a natureza na qual Beitollah e Shoja se inserem. No começo da empreitada, eles se deslocam por locais com maior variedade de cores, contudo a fotografia se fixa em tons arenosos quando eles mudam o local da busca, o que eleva a sensação de que a jornada é extremamente árida e dificultosa. As várias tentativas sem sucesso se tornam ainda mais cansativas diante da secura visual e da ventania perceptível pelos ruídos.
De um lado, Beitollah é um homem de fé (quase) inabalável, cegando-se em virtude de sua fé. A crença na veracidade do próprio sonho e na impossibilidade de adentrar na caverna servem, no roteiro, como incidente incitante, mas também como constitutivos da sua personalidade inflexível. Tudo seria mais fácil se ele se convencesse de que era apenas um sonho ou aceitasse ferir a própria fé, mas as dificuldades são causadas por ele mesmo. Shoja surge como solução para esses obstáculos, porém o perfil do rapaz se torna motivo de conflitos entre eles. Paradoxalmente, o contratante reclama que o contratado não possui fé e que é por isso que a empreitada não tem sucesso, mas é justamente por ter fé que ele foi contratado.
Percebe-se que a crença no infundado é questionada no longa, que faz humor a partir do radicalismo de Beitollah, escancarando o quão irracional (e teimoso) ele consegue ser. O confronto entre fé e razão é, sem dúvida, o grande debate proposto pela Alegoria da Caverna, de modo que Shoja funciona como o prisioneiro que saiu do local (afinal, mesmo cético, ele persiste no trabalho), enquanto seu patrão é a figura mais fiel – acorrentada, inclusive – às crenças irracionais. Não obstante, diferentemente dos filmes citados antes, “O maior bocejo da História” não consegue ser um filme envolvente em nenhum aspecto, não propondo um debate reflexivo ou estimulando emoções que já não ocorram na própria Alegoria platônica. Sem nenhum diferencial e com ritmo lento, olvida que o amparo filosófico não basta para que uma obra audiovisual seja realmente digna de nota.
* Filme assistido durante a cobertura da 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.