“SOL DE INVERNO” – As escolhas e a escolha [48 MICSP]
Em teoria, considerando o seu enredo, SOL DE INVERNO teria possibilidades distintas de resultado em termos de gênero e estilo. O longa poderia ser um suspense, um drama, uma comédia ou um romance, por exemplo, a depender das escolhas feitas pela direção. A opção tomada foi claramente de um romance adolescente, o que, todavia, enfraquece a sua vocação dramática.
Em uma pequena ilha no Japão, chegou o inverno, época em que Takuya precisa se dedicar ao hóquei no gelo na escola. O que o encanta, porém, é a patinação artística, interesse que surge após ver Sakura patinando. Ao perceber esse interesse, Arakawa, o técnico de patinação, decide treiná-lo para que ele possa competir junto à garota. A harmonia entre os três, todavia, tem o potencial de durar, no máximo, até o fim da estação.
O roteiro de Hiroshi Okuyama, que também dirige o longa, parte de uma crítica à sociedade japonesa na qual o hóquei é destinado aos meninos e a patinação, às meninas, o que acaba se tornando central no desenvolvimento da trama. A distinção de gênero também é associada à idade: enquanto elas iniciam cedo o interesse afetivo, quiçá sexual, eles fazem qualquer interação vagamente romântica motivo de piada. Tudo isso, porém, é desperdiçado pelo encaminhamento que o filme recebe em relação ao tom, o que esvazia até mesmo uma pequena reviravolta que surge progressivamente.
Essa reviravolta – que não será explicada em detalhes para evitar spoilers – envolve uma característica constitutiva de uma das personagens e se relaciona às premissas do filme, crescendo de maneira orgânica no longa. Porém, o que poderia levar a um caminho mais dramático se torna mera ferramenta de roteiro para dar-lhe um final melancólico que, ainda assim, não tem o mesmo impacto que poderia em virtude de tudo o que ocorre antes.
O que ocorre antes é fruto da narrativa, mas também das escolhas estilísticas de Okuyama na estética. Na narrativa, o script se pauta no entrosamento entre Takuya (Keitatsu Koshiyama) e Sakura (Kiara Takanashi), orientados por Arakawa (Sôsuke Ikematsu), o que se torna um feel good movie em razão da trilha musical, com composições ternas e dignas de um romance teen, e mesmo da fotografia que contrasta a frieza imagética com o calor dos sentimentos. Esteticamente, há cenas muito bonitas graças à gélida fotografia que diverge da encantadora música clássica “Clair de lune”, de modo que o uso de contraluz nos graciosos passos de patinação de Sakura corroboram o fascínio de Takuya. As sequências elípticas de treino do trio, cada vez mais entrosados, são exemplos da opção por um filme bastante terno, no melhor estilo “sessão da tarde”, mas sem grandes pretensões intelectuais e/ou sensoriais.
Como se vê, “Sol de inverno” tem consciência que optou pela ternura em seu desenvolvimento, contudo talvez não perceba que seu alto grau de ternura reduz o abalo do desfecho. Quase como uma contradição, o final relativamente forte – ainda que não chocante ou digno de lágrimas – destoa do que é construído antes dele. Não se trata propriamente de um crescendo ou da preparação para uma surpresa, mas de uma simples escolha estilística da direção. Resta claro que não foi a melhor escolha, já que o resultado é de uma obra inofensiva.
* Filme assistido durante a cobertura da 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.