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“AQUI AS CRIANÇAS NÃO BRINCAM JUNTAS” – Basta! [48 MICSP]

Qual é a solução para o conflito entre palestinos e israelenses em Jerusalém? Essa pergunta é o ponto de partida de AQUI AS CRIANÇAS NÃO BRINCAM JUNTAS, pois foi o que motivou a ida de seu realizador à cidade. Na prática, porém, o filme se propõe mais como um diagnóstico do que como a fonte das respostas almejadas.

No longa, Jerusalém é apresentada do ponto de vista das pessoas comuns que apenas querem viver em paz na cidade pela qual nutrem afeto. Dentre os entrevistados, dois se destacam. O primeiro é Ali, um muçulmano preso no final da década de 1960 por um crime político, que ficou encarcerado durante dezoito anos, trabalhando hoje como guia turístico no mercado. O segundo é Benjamin, um judeu que, contra todos os conselhos das pessoas próximas, vai ao lado palestino da cidade por querer se aproximar dos palestinos.

Em termos de personagens, certamente o muçulmano – ou, mais precisamente, como ele mesmo enfatiza, afromuçulmano – é o mais interessante, inclusive por ter mais espaço em cena. Extremamente culto, Ali Jaddeh é uma pessoa que poderia passar horas relatando suas experiências e expondo sua visão de mundo, tendo encontrado no trabalho como guia turístico – novamente, usando as suas palavras, “guia alternativo” – o melhor caminho para apresentar aos estrangeiros o que a mídia não mostra. Ali não tem uma visão maniqueísta, sendo crítico à autoridade palestina tanto quanto ao status quo encontrado em Jerusalém.

Mesmo racional, Ali demonstra seu lado passional em dois momentos. No primeiro, ele se deixa levar por um monólogo catapultado pela palavra “basta!”, uma mescla entre pedido, exigência, reclamação e indignação. No segundo, ele deixa claro que, apesar de tudo, é apaixonado pela cidade onde vive, que considera “parte orgânica de si mesmo”. É nessa passionalidade que se encontra a convergência entre ele e Benjamin Freidenberg: para aquele, Jerusalém é um “presente de Deus” não apreciado pelas pessoas, que a tratam como Esparta; para este, trata-se de um lugar onde as religiões morrem ao invés de viver, o que ele relata com pesar. Diferentemente de outros israelenses, Benjamin acredita no poder do diálogo (e não das armas), o que, contudo, não é a tese central do longa.

Sob a ótica formal, o documentário de Mohsen Makhmalbaf tem um lado observativo e outro participativo. Trata-se de um documentário observativo na medida em que o cineasta exibe a rotina de Jerusalém (das pessoas comuns, como mencionado), chamando a atenção as cenas das crianças dançando, indício da sua ideia governante. Além disso, embora os entrevistados pareçam falar sem serem especificamente questionados, trata-se também de um documentário participativo, inclusive pelo uso de narração voice over em primeira pessoa. Isso faz parte da imersão proposta por Makhmalbaf, corroborada pelos planos longos usando câmera subjetiva nos corredores e o emprego de câmera na mão.

A ideia governante, então, parece depender de uma escolha (análoga à escolha enxergada por Ali, entre criar um Estado democrático secular ou criar dois Estados autônomos): ressignificar ou recomeçar. Ressignificar significaria encarar as diferenças não como fator de cisão, mas como motivador da união entre concidadãos. A ressignificação pode ter um sentido negativo – como ocorreu na própria Jerusalém, que, do convívio forçado, transformou-se em um local de ódio e tensão -, mas também pode ter conotação positiva – como é o caso dos prisioneiros que estudam no cárcere. Por sua vez, o recomeço dependeria da juventude, a quem caberia quebrar os paradigmas do ódio e mesmo reformular o sistema da educação pautada na segregação. “Aqui as crianças não brincam juntas” não fornece uma resposta satisfatória sobre como ressignificar ou recomeçar, mas reconhece a urgência de um “basta!”.

* Filme assistido durante a cobertura da 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).