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“SUPER/MAN: A HISTÓRIA DE CHRISTOPHER REEVE” – Com a intenção de humanizar [26 F.RIO]

Christopher Reeve era um ator de teatro pouco conhecido que passou em um teste capaz de mudar sua vida: interpretar o Super-Homem no cinema na década de 1970. O papel o fez ficar conhecido, famoso e idolatrado pelo público, chegando a confundir quem seria o intérprete e o personagem. A imagem de homem de aço era apenas uma ficção criada pelas artes e um acidente enquanto andava a cavalo mostrou isso. SUPER/MAN: A HISTÓRIA DE CHRISTOPHER REEVE trabalha a dualidade em torno do homem e do ícone, tendo como intenção essencial humanizar quem poderia ser visto como um herói perfeito.

(© Warner Bros. / Divulgação)

O documentário alterna entre a vida profissional e pessoal de Christopher Reeve do início da década de 1970 até o início dos anos 2000. A partir de imagens de arquivos caseiros, matérias jornalísticas e entrevistas com amigos e familiares, a narrativa acompanha a ascensão meteórica no cinema, o envolvimento em outros projetos, o acidente que o deixou tetraplégico e o ativismo pelas pessoas com deficiência e processos de cura de lesões na medula espinhal. Ao longo da sua trajetória, o filme explora as transformações da imagem pública e íntima do ator após tantos eventos.

Há uma proposta muito clara no trabalho da dupla de diretores Ian Bonhôte e Peter Ettedgui: traçar um paralelo entre a força de um herói interpretado no cinema e a vulnerabilidade do ator que o encarnou na vida real em função do acidente sofrido. No entanto, o filme tropeça eventualmente nas armadilhas de uma abordagem biográfica quando aborda o período em que Christopher Reeve trabalhava na Broadway e fez o teste para o Homem de Aço. Os documentaristas sentem a necessidade, deslocada para seus propósitos, de buscar as origens familiares enquanto mostram registros de época sobre as peças produzidas e os colegas de teatro (como Jeff Daniels e William Hurt). Além de se desviar daquilo que já havia sido definido como mote central para a obra, a escolha cria o problema de ter que passar rapidamente por momentos distintos da vida do biografado para não deixá-los de fora. Como consequência, as cenas se tornam caóticas, sem tanto tempo para serem desenvolvidas e integradas com pouca coesão entre si.

Ao retornarem à proposta definida, os cineastas encontram seu mérito mais consistente. Eles transitam entre a vida íntima e profissional de Christopher Reeve, sendo marido, pai e ator badalado em pouco tempo. A sucessão dos fatos e das mudanças não segue uma linearidade cronológica, já que os paralelos e as contradições exibidos precisam caminhar livremente pelos anos transcorridos. Assim, o público acompanha através das entrevistas de familiares, como o filho Will e a esposa Dana, e de amigos, como Glenn Close e Susan Sarandon, como era Christopher Reeve, especialmente o prazer por esportes e outras atividades físicas que o colocassem sempre em movimento. As imagens inéditas de arquivo feitas pela própria família amplificam a reflexão sobre sua identidade e personalidade fora das câmeras e da atenção dos repórteres. Enquanto isso, as produções jornalísticas criam um contraste interessante entre a vida de alguém nos holofotes pelo sucesso instantâneo e dedicado ao trabalho de composição do Super-Homem e as limitações decorrentes da queda do cavalo e da luta constante para permanecer vivo.

Quando os eventos são sintetizados para que conheça tudo que se passou após o acidente, o filme executa bem a linha do tempo. Ao longo do trajeto, pode-se ver: a participação do ator em outros projetos, menos badalados do que em sua estreia; a queda progressiva das histórias do Super-Homem; os desafios físicos da fisioterapia e de uma nova realidade; a aparição pública em uma edição do Oscar; o ativismo para as pessoas com deficiência; a criação de uma fundação voltada para a questão; e a continuidade de seu trabalho no cinema, tanto na atuação quanto na direção. As imagens de arquivo possibilitam penetrar nesse universo tanto em termos informativos quanto emocionais, de modo a narrar a trajetória e a impactar os espectadores pela superação necessária. O impacto sentimental é inevitável levando em consideração a transformação na vida de Christopher Reeve e na dinâmica familiar, mas o documentário opta por algumas construções duvidosas que parecem querer retirar lágrimas do público a qualquer custo. É o que ocorre, por exemplo, na utilização de imagens de seus filmes feitos após a queda como se fossem cenas reais do próprio ator passando por problemas no hospital.

Entretanto, a sensação de trapaça dessa cena pode ser pontual e passar desapercebida. Por sua vez, o desenvolvimento da ideia central de humanizar quem poderia ser confundido com o herói vivido no cinema tem problemas mais recorrentes. A humanização passa por abordar o que seria considerado controverso em torno do ator, algo que é feito na relação com os filhos. A preocupação em colocá-los para fazer diferentes atividades físicas e certo distanciamento emocional por não estar presente para as necessidades individuais de cada um (causado também pelas obrigações profissionais) são retratados como elementos que quase o fizeram repetir os defeitos do próprio pai em ambiente familiar prejudicial para Christopher Reeve anos atrás. Essas tentativas de representá-lo sem idealizações são logo seguidas por outros momentos nos quais se coloca o efeito contrário e o homem é tratado como um herói. Antes de sentir o peso das contradições mostradas, a narrativa passa a enfocar a militância ou a evolução na relação com os filhos. E a ilustração dos problemas enfrentados é feita com base na inserção de manchas vermelhas ou verdes em uma estátua do Super-Homem.

A conjugação de sequências no formato descrito anteriormente enfraquece constantemente o esforço de ver Christopher Reeve para além da imagem do herói da DC. Trata-se de uma contradição que Peter Ettedgui e Ian Bonhôte não percebem, pois aparece em várias passagens sem que seja uma questão a ser abordada. O formato narrativo que lembra um programa especial de TV feito para homenagear uma personalidade reforça isso. A intenção pode ser humanizar, porém a concretização formal no documentário pode gerar um efeito oposto. Ainda assim, não se pode negar que “Super/Man: A história de Christopher Reeve” consegue estabelecer uma conexão visceral com os espectadores em momentos chave. A despeito dos problemas de abordagem e de escolhas estilísticas pontuais, o filme consegue emocionar e não se deve ignorar essa qualidade. Por vezes, aspectos extrafílmicos geram emoção, como considerar a amizade de Robin Williams conhecendo, inevitavelmente, a própria trajetória do comediante. Por vezes, a forma de mostrar um homem e sua família atingidos por uma eventualidade trágica.

*Filme assistido durante a cobertura da 26ª edição do Festival do Rio (26th Rio de Janeiro Int’l Film Festival).