“A TRISTEZA” – Uma contribuição que não vai longe [26 F.RIO]
O cinema de terror de zumbi tem uma longa trajetória histórica. Nesse percurso, a concepção visual das criaturas e as simbologias em torno dos ataques dos mortos vivos já foram trabalhados de variadas formas. Seria ainda possível encontrar algum traço de originalidade em um subgênero tão explorado? A TRISTEZA promete fazer isso ao representar a violência desenfreada por um viés potencialmente provocativo, mas não vai além de promessas superficiais tratadas com pouca criatividade.
Em Taiwan, o casal Jim e Kat vive em um cenário no qual as autoridades políticas garantem que uma pandemia está prestes a terminar. Em certo dia, eles acordam e o jovem leva sua namorada para o trabalho. Na volta, a cidade começa a ser tomada por uma praga que transforma as vítimas em sádicos assassinos sanguinários. Os dois tentam sobreviver enquanto se esforçam para se reencontrar.
Mesmo que as consequências da disseminação da praga não sejam explicitamente nomeadas como zumbis, a abordagem do diretor Rob Jabbaz pode ser encarada dentro do subgênero. A contaminação pelo contato com secreções, a dimensão de vírus do contágio e os ataques a partir da dinâmica de hordas incontroláveis começam a dar o tom do que irá se consolidar mais adiante. Conforme, o número de vítimas se multiplica em cenas de extrema crueldade (tortura, canibalismo e assassinato), as criaturas adquirem uma estética expressiva. Os olhos negros e imensos dentro do globo ocular, o corpo em rápida decomposição, os múltiplos ferimentos e o sangue exposto constituem uma aparência ameaçadora, doentia e decrépita dos seres. Além disso, outras características se distinguem da representação clássica, como a manutenção de certa racionalidade por conseguirem se comunicar e a velocidade de sua movimentação no estilo de “Extermínio” de Danny Boyle.
Quando se trata de subtextos, a narrativa se preocupa excessivamente em situar os acontecimentos no tempo presente e em condições sociais familiares aos espectadores. Nas primeiras sequências, a pandemia do coronavírus, as preocupações com o quadro sanitário de áreas atingidas e as reações negacionistas à propagação “doença” são referenciadas. Um médico participa de um programa de TV e, na entrevista ao apresentador, afirma que a contaminação não havia sido superada e não deveria politizá-la sob o risco de subestimar um problema sério. Já o apresentador e um vizinho de Jim exemplificam indivíduos que consideram a mutação do vírus uma gripe simples e algo nada preocupante. Assim, o filme parece cada vez mais interessado em colocar referências recentes para serem reconhecidas e levarem o público a tentar identificar quais críticas são feitas. O grande número de comentários desse tipo soa como uma lista de tópicos que precisam ser, obrigatoriamente, citados de forma espertinha como piscadelas para quem assiste.
Os ataques das pessoas contaminadas colocam em questão a violência dos filmes de horror de zumbis. Logo, Rob Jabbaz investe bastante em sequências que privilegiam atos brutais, a exposição de vísceras, a profusão de sangue e a deformidade dos corpos das vítimas. É o que acontece, por exemplo, na morte de um atendente de lanchonete atacado por uma senhora que arranca a pele de seu rosto e na chacina dentro do trem provocada por homens armados com facas que faz o vagão e os passageiros serem banhados por sangue. As cenas violentas não precisam, necessariamente, evocar alguma representação simbólica profunda, pois os impactos sensoriais do gore em imagens repulsivas são experiências válidas para o gênero. No entanto, o acúmulo de momentos de violência gráfica esvazia progressivamente os resultados de sua execução, dando a impressão de que faz alusões a Gaspar Noé e Yorgos Lanthimos para criar simplesmente o choque pelo choque como se fosse desafiado a precisar surpreender a cada minuto. Enquanto isso, a trama se resume ao esquema narrativo de um casal separado geograficamente que precisa superar diversos obstáculos na jornada pela cidade para se reencontrarem.
Se as explosões de violência buscam uma resposta sensorial, apesar de rapidamente se esgotar na sensação vazia do choque, o subtexto simbólico fica a cargo de uma nova ideia para a deterioração moral e corporal dos indivíduos contaminados. Segundo as regras daquele universo, a mutação do vírus atingia regiões do corpo humano que controla a agressividade e o desejo sexual. Então, os “mortos vivos” também atacam as vítimas para estuprá-las, tanto homens quanto mulheres, expondo os corpos violentados e dos agressores. Originalmente, poderia ser uma sacada com potencial de ineditismo imaginar seres que, não controlam seus instintos mais primitivos, perderem o autocontrole em termos de violência física e satisfação dos prazeres carnais. Na prática, a ideia é executada da forma mais infantil possível, quando alguns personagens ofendem e ameaçam aqueles que são perseguidos com frases de efeito saídos da boca de um jovem que aprendeu a xingar. Uma rápida sequência que mistura sexo e brutalidade sugere uma possibilidade nunca aproveitada de fato: e se essa combinação colocasse em debate tabus sexuais na sociedade?
“A tristeza” se desenvolve em meio a uma série de escolhas que parecem contribuir para o cinema de terror com histórias de zumbis, mas não ultrapassam as aparências enganadoras. A estrutura narrativa não possui nada diferente de vários outros filmes que colocam os protagonistas em lugares distantes tentando se encontrar a despeito dos perigos que os separam. A relação do subgênero com o contexto histórico da pandemia grita os paralelos propostos como se fossem sacadas inteligentíssimas que deveriam ser identificadas pelo público. Já o uso da violência nas sequências de ataques fica estagnado na ideia limitante do choque pelo choque a qualquer custo ou na comoção infantilizada de mencionar ofensas/ameaças/intimidações de teor sexual. Todos esses problemas poderiam ser suavizados se, ao menos, o clímax alcançasse a catarse emocional do reencontro do casal principal após os obstáculos enfrentados e a reviravolta da última cena. Ao contrário, o desfecho não vai além de um momento anticlimático sem peso emocional e contrastes palpáveis.
*Filme assistido durante a cobertura da 26ª edição do Festival do Rio (26th Rio de Janeiro Int’l Film Festival).
Um resultado de todos os filmes que já viu.