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“NÃO CHORE, BORBOLETA” – No limite do indecifrável [48 MICSP]

A sensação mais provável que NÃO CHORE, BORBOLETA deixa no espectador após a sessão é a de incompreensão. Tanto na literalidade da narrativa quanto em suas metáforas, o filme é realmente difícil de ser interpretado, dada a falta de contundência em sua ideia governante. Seria benéfica à obra, porém, uma proposta menos enigmática.

Tam trabalha em uma empresa que realiza cerimônias de casamento. Seu próprio casamento, contudo, é posto em xeque quando ela descobre a traição do marido por uma reportagem na televisão. A solução que ela encontra é um feitiço para reconquistá-lo. Enquanto isso, sua filha, Ha, planeja um futuro melhor estudando na Europa. Ambas, assim como qualquer outra mulher, são capazes de enxergar a entidade que as observa em seu lar.

(© KawanKawan Media / Divulgação)

Causa surpresa a escolha da diretora Duong Dieu Linh, em seu primeiro longa-metragem, pelo realismo fantástico, uma vez que a produção deixa a desejar no VFX. Contudo, a ideação da parte surreal é boa, seja nas cenas menores (o balé, o cantor do casamento, a transição usando névoa), seja em dois elementos fundamentais. O primeiro é a entidade, que se torna mais concreta nos planos subjetivos em ângulo plongée, nos quais as bordas desfocadas e a imagem balançando, além dos sons cavernosos, dão a organicidade necessária para a associação com a água. O segundo é a “Mestra”, uma figura satírica por diversos motivos (os sons ao chacoalhar, o rosto oculto, a comunicação, a justificativa para pedir dinheiro etc.), cujo exagero torna ainda mais absurdo que Tam recorra a ela.

A obra conta com simbolismos variados, ganhando destaque a água da qual a entidade parece ser composta. Geralmente associada à vida, a água é constantemente relacionada à morte e/ou a sentimentos negativos desde os minutos iniciais, uma subversão que gera curiosidade, mas não ganha maiores explicações. A água também representa a liberdade; no caso do filme, é a liberdade de viver (estudar fora), reviver (a borboleta) e de não viver (o engano quanto ao suicídio da ponte, o aparente suicídio de uma personagem ao final). A liberdade se refere à vida vivida, mas também à vida não vivida, como a de Tam com Quang.

Tam nunca está parada, diferenciando-se do marido justamente por ele ser o oposto. Ha é uma figura maternal perante Trong, que, por sua vez, representa a fragilidade masculina. É nesse contexto que surgem as ideias principais do roteiro de Dieu Linh, da sororidade (ainda que por uma via nada usual, a saber, enxergar uma entidade sobrenatural, além, evidentemente, das cenas em que as mulheres se reúnem) à (des)união. O abandono se destaca, uma vez que Tam se sente abandonada pelo marido e Trong se sente abandonado por Ha (e, antes, pela mãe). É difícil, porém, extrair significados robustos de uma obra tão simbólica como “Não chore, borboleta”. O filme admite uma construção de sentido quanto à trama, desde que sejam aceitas as suas premissas básicas. O mesmo não ocorre com o todo, que, tentando estar no limite do indecifrável, é pouco convidativo para a decifração.

* Filme assistido durante a cobertura da 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).