“OS TUBARÕES” – Frágeis paralelos
História de amadurecimento, drama adolescente e subtexto simbólico. OS TUBARÕES reúne os três elementos para contar a passagem da vida de Rosina, na qual tudo parece estar sob um grande turbilhão hormonal e emocional. Para isso, um evento que poderia estar distante de suas transformações como indivíduo é conectado aos desejos e às angústias da adolescência. O paralelo estabelecido não é dos mais imediatos, por isso algumas fragilidades surgem.
Um boato circula por um balneário na Argentina: tubarões teriam chegado à costa e sido avistados pela primeira vez na região. Enquanto os moradores se agitam com as consequências desse eventual perigo, Rosina parece ser a única a dar pouca importância ao fato. Ela está mais preocupada com a curiosidade que começa a demonstrar pelas mudanças em seu corpo e com o desejo que começa a sentir por Joselo, um dos homens que trabalha com seu pai.
De forma rápida, a diretora Lucía Garibaldi cria um paralelo entre as possíveis aparições de tubarões na costa e a jornada pessoal de Rosina. Seria possível supor que a aproximação entre os dois núcleos se dá pelo estágio de vida da protagonista, que começa a viver a intensidade típica dos conflitos da juventude como se estivesse liberando uma força quase animal. Embora seja uma leitura viável, a narrativa não vai além de pontos em comum eventuais e passageiros entre eles. Não leva muito tempo para que a presença dos animais nas águas perca espaço na trama a ponto de praticamente desaparecer ou diga muito mais sobre as consequências da ameaça para os moradores do que sobre relações simbólicas com a personagem. Assim, o paralelo se esgota precocemente sob uma premissa frágil que se escora em elementos pouco atrativos por diversos momentos.
A construção estilística é um dos aspectos que enfraquece o paralelismo. As escolhas formais de Lucía Garibaldi parecem seguir uma cartilha de filmes independentes que definem sua razão de ser, sobretudo, em circuitos de festivais por ser a estética buscada. Há longos planos silenciosos que acompanham a protagonista, enquadramentos ora estáticos em uma situação de poucos movimentos ora abertos em um ambiente amplo para a circulação dos personagens e abordagens cênicas naturalistas para a percepção do espectador. Em várias sequências, essa encenação cria um padrão visual que até pode ser coeso para a narrativa como um todo, porém tem pouco a acrescentar para o arco dramático de Rosina e para sua interação com Joselo. Isso porque a relação com os tubarões parte de uma dimensão fantástica ou simbólica que não é explorada, e a atração física com o funcionário de seu pai engloba um fundo emocional ou uma tensão sexual que se se mantém contidos.
O desenvolvimento de Rosina passa também por algumas oscilações que dificultam a composição dramática da adolescente e suas articulações com a trama, em termos literais com Joselo ou simbólicos com os tubarões. Em alguns elementos, a interpretação lacônica por parte de Romina Bentancur contribui para a constituição de uma jovem sob intenso conflito interno, dúvidas sobre seu lugar no mundo e as próprias emoções. É assim, por exemplo, que se pode observá-la ao redor da irmã e das amigas ouvindo conversas sobre sexo e próxima a Joselo contemplando o corpo dele. Por outro lado, os silêncios, a falta de comunicação com os familiares e o ocultamento das emoções compromete uma conexão emocional com o público. Por conta disso, à medida que Rosina reage de maneira contraditória às rejeições do homem, o espectador assiste a esses momentos sem ser impactado por ações que deveriam torná-la multifacetada (como tudo aquilo que cerca a cadela de estimação desaparecida). A cineasta tenta criar certa expectativa ou tensão diante do que pode vir a ocorrer, mas não ultrapassa a apatia.
Simultaneamente, outros tipos de paralelos a partir da jovem são enfraquecidos. Em torno dela, existem outros núcleos, personagens coadjuvantes e subtramas que surgem e perdem fôlego no decorrer da narrativa. As aparições de tubarões criam a dúvida se seriam reais ou fruto de boatos, o que levanta a questão de um medo coletivo por algo imaginado, além de se conectar com o aumento de temperaturas e a falta de água. Apesar de contar com muitas possibilidades, inclusive tratar dos impactos sofridos pelos pescadores diante de tal ameaça, o roteiro ofusca cada vez mais esse aspecto da trama. E a família de Rosina também proporciona conflitos que têm potencial, como a relação conturbada entre as irmãs, a preocupação de Mariana a respeito do resultado de uma prova para seu futuro e a postura firme da mãe na criação das filhas. Contudo, os três arcos não deixam de ser rápidas menções que aparecem e somem, possuem pouco impacto sensorial e se relacionam de modo frágil com a protagonista.
“Os tubarões” apresentam, ocasionalmente, bons momentos que não se fecham aos pontos discutíveis mencionados anteriormente. De tempos em tempos, Lucía Garibaldi propõe uma decupagem que valoriza os eventos narrados. Um plano fechado mostra a pele nua das costas de Joselo para ilustrar o interesse de Rosina, um rápido movimento de câmera indica o retorno do animal de estimação de Joselo quando menos se esperava para enquadrar um trecho do quadro antes desconhecido e um plano muito aberto em uma praia evidencia com o mesmo grau de importância duas ações simultâneas na areia e nas águas. Ainda assim, o filme não parece ir a um lugar especialmente expressivo para tratar de uma história de amadurecimento. Os elementos até podem estar na narrativa e serem identificados, mas na execução final a personagem e seus dilemas continuam distantes e enquadrados por uma estética com alguns vícios que dizem pouco sobre o que se propôs a fazer.
Um resultado de todos os filmes que já viu.