“OS FANTASMAS AINDA SE DIVERTEM – BEETLEJUICE BEETLEJUICE” – Ele merece
Fazia alguns anos que Tim Burton não apresentava ao público um filme tão bom quanto OS FANTASMAS AINDA SE DIVERTEM – BEETLEJUICE BEETLEJUICE. Seria normal esperar uma continuação forçada, ceticismo corroborado pelo fato de que o primeiro longa, “Os fantasmas se divertem”, apesar de ser um clássico, não é um filme grandioso. A produção de 1988 alavancou a carreira de Burton e fixou uma personagem marcante na cultura pop, mas sua filmografia tem obras bem melhores. Seria o “Besouro-suco” merecedor de uma continuação?
Muitos anos depois dos acontecimentos envolvendo os fantasmas do casal Maitland, os Deetz retornam à casa de Winter River em razão de uma tragédia familiar. Lydia agora ganha a vida com as suas habilidades mediúnicas, porém ainda sente o trauma que Beetlejuice representou para ela. O regresso a Winter River pode ajudá-la a se aproximar de Astrid, sua filha adolescente, mas também traz recordações indesejadas.
Ainda que a filmografia de Tim Burton tenha oscilações, é notável o quanto o cineasta consegue variar entre os gêneros ao mesmo tempo em que mantém seu estilo próprio. O visual de seus filmes, mesmo quando modificada a equipe, é inconfundível: listras e/ou tabuleiros preto e branco, linhas assimétricas, sombra preta pesada ao redor dos olhos, iluminação esverdeada e/ou azulada etc. Graças à variação de gêneros, suas obras são diversificadas nesse quesito: de filmes de super-herói, como “Batman” e “Batman: o retorno”, a fantasias leves, como “Peixe Grande e suas histórias maravilhosas”; da mescla entre aventura e ficção científica de “Planeta dos macacos”, ao meio horror, meio suspense, de “A lenda do Cavaleiro Sem Cabeça”; dos musicais, como “A fantástica fábrica de chocolate” e “Sweeney Todd: o barbeiro demoníaco da Rua Fleet” à inteligente paródia que é “Marte ataca!”. Em certa medida, Burton parece acumular características do seu estilo e aprender com cada gênero, agregando esse acúmulo e essa aprendizagem a cada obra. É verdade que, desde 2010, com “Alice no País das Maravilhas”, ele esteve em baixa, porém “Dumbo” (2019) e “Wandinha” (2022) soam como um ressurgimento, ratificado por “Beetlejuice 2”.
Há, portanto, uma continuidade dentro da carreira do cineasta, mas também dentro do próprio universo. Em termos de linguagem cinematográfica, Burton esbanja domínio das mais variadas técnicas, como o found footage e, principalmente, a animação, o que é reforçado pela prevalência de efeitos práticos de qualidade. Sem deixar de lado a computação, o longa utiliza efeitos práticos para dar um tom surreal na medida certa, deixando claro que tudo aquilo jamais foi concebido como minimamente naturalista. Sobram referências, de clássicos europeus a uma versão de Chucky, sem olvidar das autorreferências (por isso a continuidade) e de um meio-termo (a lua de Saturno no estilo “Duna”). O universo Beetlejuice se torna consistente pela repetição parcial de personagens e pelas regras preestabelecidas, tornando recomendável que se assista ao primeiro filme antes.
Ao mesmo tempo em que Burton reúne sua experiência prévia, contudo, ele repete alguns equívocos, a começar pela insistência em parcerias dispensáveis no elenco. Agora que não está mais com Helena Bonham Carter, sua nova musa é sua nova esposa, Monica Bellucci. O problema é que sua personagem, Delores, faz parte de uma subtrama completamente irrelevante (e, por consequência, desnecessária), servindo apenas para que haja humor no horror (a cena em que toca “Tragedy” é excelente). Outro parceiro de longa data, mas irrelevante, é Danny DeVito. O roteiro de Alfred Gough e Miles Millar cria subtramas desnecessárias, como a do relacionamento de Rory (Justin Theroux) com Lydia (Winona Ryder), reduzindo o espaço da relação entre esta e Astrid (Jenna Ortega). O incidente incitante demora muito para acontecer, porém a interação entre Astrid e Jeremy (Arthur Conti) é recompensadora. O espaço de Beetlejuice (Michael Keaton) é também diminuto, mas não insuficiente, havendo ainda um grande acerto de tom quando comparado ao filme de 1988. A versão anarquicamente lasciva do demônio cedeu lugar a um viés não menos ensandecido, mas interesseiro.
Além de Keaton, outra parceria certeira de Burton ocorre com Danny Elfman, responsável pela trilha musical. “Main titles” alia o horror gótico com o humor insano; “Day-o (Banana Boat Song)” é uma autorreferência que compõe uma das cenas musicais, junto de “Right here waiting” e “MacArthur Park”. No entanto, não são simples cenas musicais, mas verdadeiras paródias, com danças divertidíssimas, que reforçam o teor de sátira e autosátira do longa. Existe a sátira do real – Lydia abusando de remédios tal qual sua intérprete -, do quase diegético – a piada com a conveniência da não participação dos Maitland – e, claro, do diegético – a lápide de Charles, a música que toca na estação do “Trem da Alma”, a ironia de Lydia aguentar uma adolescente temperamental como fez Delia (Catherine O’Hara) antes etc. A comédia pode ser de gosto duvidoso às vezes, sobretudo quando recai no asco, mas o filme certamente consegue ser engraçado em diversos momentos. Exemplo disso é a personagem de Willem Dafoe, Wolf, cujo comportamento performático e histriônico ressalta que tudo não passa de uma brincadeira leve e divertida.
“Beetlejuice Beetlejuice” é despretensioso, errando com subtramas em demasia, mas acertando ao divertir o público. Tim Burton expõe mais uma vez que a morte não precisa ser motivo para drama ou medo. É por isso que merecedor de uma continuação não é o “Besouro-suco” (que é importante mesmo apenas ao final, como no longa anterior), mas o próprio diretor e sua sagacidade exuberante.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.