“HELLBOY E O HOMEM TORTO” – Quando ser fiel não é ser bom
O marketing de HELLBOY E O HOMEM TORTO é voltado a convencer o público de que, no cotejo com os quadrinhos, faz uma adaptação cinematográfica mais fiel do que “Hellboy” (2004) e “Hellboy II: o Exército Dourado” (2008). O erro começa quando isso é pensado como uma virtude imanente, isto é, como se esse mero fato (supostamente verdadeiro) bastasse para tornar o novo longa superior aos antecessores.
O ano é 1959 e Hellboy está nos Apalaches acompanhado de uma agente sem experiência em trabalho de campo para levar uma criatura capturada por eles. A execução do serviço é dificultada quando são forçados a parar em uma comunidade remota repleta de bruxas e liderada por um demônio conhecido como Homem Torto.
Diferentemente das duas versões precedentes, dirigidas por Guillermo del Toro, que privilegiavam a ação fantástica, o diretor Brian Taylor opta pelo terror. Seu filme reduz a adrenalina e eleva a quantidade de terror em termos de linguagem. Com isso, aparecem jump scares (utilizados, contudo, com parcimônia), clichês (o grupo que se separa em um momento crucial) e referências (Abigail é muito similar à icônica Samara) comuns ao gênero. Evidentemente, não haveria problema algum com essa opção, que nada mais é que uma escolha quanto ao viés que a produção vai tomar. O fato de se manter no terror do começo ao fim, evitando atenuar o ar macabro que dele decorre, é um dos poucos aspectos positivos do longa, que é consciente dessa sua decisão.
Entretanto, Taylor dirige muito mal a obra, não sabendo dominar a linguagem que utiliza. São inúmeros os exemplos que demonstram sua inépcia no terror: a isolada quebra da quarta parede em que a Vovó Oakum explica como fazer uma bola enfeitiçada, cena que chega a ser risível; as imagens desfocadas que, banalizadas, se tornam entediantes; e o excesso incômodo de barulho, desconsiderando o poder do silêncio com ruídos incessantes e uma trilha musical decepcionante. No visual, causa estranheza um VFX de qualidade ruim para cenas diurnas e/ou claras (a versão bebê de Hellboy, o prólogo…); nas cenas noturnas/escuras, diversamente, há um ganho considerável. Esse ganho, porém, não compensa sequer uma fração dos outros problemas do filme.
Essa versão de Hellboy é frustrante pelo próprio (anti-)herói. O trabalho de Jack Kesy no papel principal não é ruim, mas certamente o ator não tem o mesmo carisma de Ron Perlman (perceptível mesmo com a pesada maquiagem). Se os três filmes fossem interpretados como uma trilogia, seria inevitável concluir que bruxas são mais difíceis de serem enfrentadas (ao menos para Anung un Rama, nome real do “Vermelhão”) do que demônios, pois agora Hellboy parece fraco demais perante os vilões. Uma interpretação como essa (de que há uma trilogia) pode fazer sentido na medida em que o roteiro de Christopher Golden, Mike Mignola (criador da personagem nos quadrinhos) e do próprio diretor deixa crateras gigantescas para quem desconhece esse universo. Em outras palavras, se o filme de Taylor for encarado isoladamente, apenas fãs poderão apreciar a obra, pois existem inúmeras questões sem explicação. Isso seria solucionado se o longa fizesse parte de uma trilogia. Nesse caso, contudo, há uma mudança sem justificativa de gênero e estilo, não existindo indícios de que há de fato uma continuidade de universo.
A verdade é que o roteiro é ruim. A narrativa é mal elaborada, pois os eventos acontecem sem se amarrar, sem pretexto ou explicação; eles simplesmente ocorrem (como quando a dupla chega na cidade, para minutos depois partir em uma empreitada com um desconhecido para fazer algo que não se sabe exatamente o que será com alguém que tampouco se conhece). Não há drama, de modo que o sofrimento de Tom (Jefferson White) é completamente vazio. Parte disso decorre do backstory subdesenvolvido, problema que ocorre com todas as personagens. Os diálogos são sofríveis: o protagonista parte de um “nunca conheci a minha mãe” para “tudo o que eu sei sobre bruxas eu preferia não saber” e, logo após, “como conheceu o Diabo?”. Existe uma tentativa de subtexto romântico, que não poderia ser mais insosso e inverossímil, e outra, mais robusta, para tratar sobre pecados. Nesse caso, todavia, o pensamento é esparso, não sendo, como aparentemente o roteiro quer, a ideia governante (que, a rigor, não é refletida). Aparecem símbolos (objetos fálicos como a cobra e o osso) e são mencionadas ideias sobre infração e punição, mas a linha de raciocínio é tão crua que uma piada associando um osso a uma “coisa dura” torna a obra deplorável.
É possível que “Hellboy e o Homem Torto” seja a versão cinematográfica mais fiel aos quadrinhos até o momento. Contudo, o longa não supera aqueles dirigidos por del Toro, que tinham muitas falhas, mas ainda assim eram melhores. Afinal, fidelidade não é sinônimo de qualidade.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.