“LONGLEGS – VÍNCULO MORTAL” – Investigações sobre si mesmo
Nas redes sociais, muitos filmes de terror costumam ser cercados por campanhas de marketing que investem na ideia de aquele seria o mais assustador do ano. A publicidade compartilha informações de que espectadores supostamente teriam passado mal ao vê-los, trailers chamativos que mostrariam imagens enigmáticas ou uma sensação perturbadora para cativar a curiosidade ou resenhas que cravariam a qualidade indiscutível de uma obra sem parâmetro com outras já lançadas. LONGLEGS – VÍNCULO MORTAL também passou por isso, investindo no mistério de poucas explicações da trama para despertar atenção. Aumentar as expectativas seriam suficiente para tornar a experiência satisfatória?
As imagens misteriosas divulgadas pela campanha de publicidade fazem parte da investigação de um caso de serial killer reaberto pelo FBI. A agente Lee Harker é designada para esclarecer uma série de assassinatos de famílias em função de seus poderes sensitivos. À medida que o trabalho se desenvolve, ela percebe que os crimes estão ligados a perigosas práticas ocultistas e que o assassino a conhece devido a algum vínculo em seus passados. Então, enquanto investiga o caso, lida também com segredos sombrios de sua própria vida.
Torna-se perceptível a presença de citações a outras obras do gênero policial na primeira dimensão da narrativa. Os filmes “Silêncio dos inocentes” e “Zodíaco” e a série “Mindhunter” são referenciados no processo investigativo, sobretudo a leitura do perfil do serial killer através de entrevistas, a comunicação do criminosos por meio de cartas com símbolos a serem decodificados e as viagens por diversas estradas dos EUA à procura de pistas. No decorrer da trama, a investigação se transforma cada vez mais em um olhar para o psicológico da protagonista. Primeiramente, o alvo é a personalidade introvertida e antissocial de Harker, possivelmente fruto da influência religiosa da mãe e trabalhada pela atuação de Maika Monroe. Em seguida, o alvo passa a ser a natureza do vínculo entre investigadora e assassino através de flashes da infância e da criação de outro universo temporal com razão de aspecto reduzida.
O gênero policial logo abre para espaço para a aparição do horror, já que leva pouco tempo para que a natureza dos crimes seja revelada como sendo sobrenatural. Nesse momento, o diretor Oz Perkins sugere que a abordagem para o terror pode ser direta e sem receios de trabalhar suas convenções e códigos visuais. Alguns planos são estilizados com uma intensa iluminação vermelha, que pode ser característica da violência dos eventos encenados. Algumas cenas são resolvidas com jump scares, que é um recurso comum para afetar as emoções do público de maneira frontal. A tensão de outras sequências dependem do mistério do que pode haver no extracampo, criado pelas escolhas de enquadramentos que insinuam ameaças próximas e desconhecidas. Acima de tudo, o sobrenatural ocupa o primeiro plano e promete deixar em evidência uma carga considerável de perturbação para os crimes. Os esforços de conferir a Longlegs uma presença e uma iconografia especiais e dar ao assassino uma relação com o satanismo tentam cumprir esse papel.
Na primeira dimensão da narrativa, a mudança do foco da investigação para o passado da agente da FBI deixa de ser expressiva como sugeriu a princípio. No primeiro ato, alguns “mistérios” ou mesmo dúvidas são colocados como se pudessem ter alguma relevância no desenrolar dos crimes e da jornada da protagonista. A personalidade introvertida de Harper, materializada pela sequência em que visita a casa de seu superior, a criação religiosa a partir de uma relação ambígua com a mãe, evidenciada pelas ligações telefônicas entre as duas personagens, e os poderes mediúnicos para percepção de fenômenos ao seu redor, vistos na resolução de casos anteriores, são questões abandonadas pelo cineasta. O próprio trabalho de composição de Maika Monroe perde em possibilidades, cabendo à atriz reagir muito mais com assombro às descobertas que faz. Ao fim, parece que a premissa da investigação policial está ali para mostrar que a disposição do filme de fazer referências ao cinema prevalece e as perguntas a serem respondidas se resumem aos segredos de um dia específico na infância de Harper.
Em outro âmbito, o desenvolvimento da dinâmica inicial também frustra os caminhos que pareciam ser seguidos. Em um contexto em que o terror parece ser validado apenas se possuir uma carga psicológica densa que supere os apelos do gênero (por influência de certas produções distribuídas pela A24 e por expectativas incorporadas por parte dos espectadores), o trabalho de Oz Perkins parece abraçar a fantasia sem a necessidade de uma mensagem profunda. No entanto, não ultrapassa a aparência do que poderia ser e não foi. Anteriormente, o cineasta lançou “Maria e João: O conto das bruxas“, uma releitura do clássico conto de fadas sob uma perspectiva dramática que aborda o lugar da mulher na sociedade, o confronto entre indivíduo e ambiente hostil, entre outras questões sociais ou filosóficas. A encenação de seu mais novo trabalho lembra a produção anterior, já que alguns códigos visuais imediatos do terror (imagens gráficas de violência, jump scares…) se tornam pontuais para que predomine uma atmosfera dramatizada e profunda nos planos abertos das estradas, no posicionamento dos personagens no quadro e no uso das referências em si mesmas.
Quando se observa a campanha de divulgação, a presença de Nicolas Cage também foi alvo de grande interesse. O estilo característico de exagero do ator, a maquiagem carregada e a imprevisibilidade das ações do assassino podem despertar alguma curiosidade inicial pela maneira como a trama será trabalhada. Porém, a atenção que se poderia destinar a um filme policial e de terror que incorporaria a fantasia e as convenções dos gêneros não se mantêm por muito tempo. Oz Perkins não vai a fundo na abordagem do sobrenatural e de desdobramentos religiosos correlatos, restringindo-se a tangenciar temáticas e universos do horror. Mesmo que “Longlegs – Vínculo mortal” pretenda investigar sua protagonista, a dimensão psicológica da agente não se sustenta como o primeiro ato deu a entender. Mesmo que investigue o modo como pode desenvolver o terror para a trama, o mundo diegético não explora visualmente a violência e a perturbação de seus eventos. Assim, a expectativa da publicidade se choca com o burocrático dos efeitos da obra definitivamente lançada.
Um resultado de todos os filmes que já viu.