“BAILE DAS LOUCAS” – Passos de dança da hipocrisia
Existem inúmeras formas de se pensar a loucura. Misteriosa para as principais faculdades do pensamento humano, a loucura não pode ser completamente representada. Talvez as arestas que sobram nesse processo sejam justamente as mais interessante, comumente disseminadas pelas tentativas artísticas. Negar essa incapacidade, a nossa insignificância perante as incógnitas da mente, pode ser um problema bastante comum. BAILE DAS LOUCAS infelizmente não se diferencia daqueles que ousaram domesticar o imaginário humano.
Ambientado na Paris de 1894, o filme acompanha um evento típico de um hospício francês, o reconhecido La Pitié Salpétrière, em decorrência do Caranval. Políticos, artistas e outros rostos de prestígio aguardam pelo notório “Baile das Loucas”, onde diversas mulheres excluídas da sociedade, consideradas a ela uma espécie de perigo, estão internadas. Entre as fantasias e máscaras que dançam pelo salão, uma delas, Fanni, se destaca. Diferente das demais, ela optou por estar no hospital e fará o possível para resgatar a sua mãe, hospitalizada à força e tirada de sua família.
Dirigido por Arnaud des Pallières, o filme não tarda em revelar o seu papel de conscientização, investindo na construção daquelas personagens enquanto representantes de um mesmo coletivo. Ainda que a abordagem surja de boas intenções, é evidente como a escolha reduz a individualidade dessas pacientes, e as massifica perante o estigma que supostamente deseja desmistificar.
O contraponto sugerido entre elas e Fanni (Mélanie Thierry) – isolada no espaço pela diferenciação em seus hábitos e roupas, ou seja, nas aparências – reforça uma ideia caricata de se trabalhar as enfermas. Nunca imunes de algum signo visual redutor da forma como são concebidas em tela, estão ali para reforçar o senso de um espaço agressivo e alienante.
Sua função nunca é outra a não ser fortalecer diversos ciclos de violência psicológica, reforçados do início ao fim e sem jamais recorrer ao que está lá fora. É como se o diretor estivesse muito mais interessado em tratar da submissão a um sistema que também as deixa violentas do que na possibilidade de traçar alguma relação histórica com um contexto maior.
A lógica interna da narrativa reforça sempre a deterioração daquelas personagens. Não é como se o projeto tivesse a obrigação de desenhar um escape possível ou amenizar a realidade de outro tempo – e que de muitas formas se mantém até hoje. Mas ele acaba por se deixar levar pela exatidão de suas imagens, e perpetua diferentes tipos de grafismos que em nada agregam à narrativa.
Não suficiente, chama a atenção a dureza de boa parte das sequências, que optam pela construção de um suspense soturno e nunca se permite contaminar pelas ações revolucionárias que Fanni pretende para o universo em que se encontra. Isso é diferente de se debruçar, necessariamente, sobre as decisões de roteiro ou os avanços dramáticos da obra. Mas se refere à dissociação entre a forma articulada pelo projeto e o que ele conjura em teoria.
“Baile das loucas” se permite tratar da loucura apenas como reprodução imagética daquele mesmo arcaísmo que se propõe a condenar. De um lado, o registro detalhista do espaço físico não se permite fabular em ângulos, lentes ou posições, não se adequando ao turbilhão psicológico que a protagonista atravessa. Do outro, tal recurso poderia até mediar uma atmosfera interessante de aprisionamento, mas a falta de qualquer gradação ou progresso nessa esfera fragiliza as possíveis intenções de seu autor nesse sentido.
Não existe um senso maior de linguagem que consiga articular os avanços entre a protagonista e suas companheiras. É como se Fanni pudesse ser inserida – tirando a convincente verossimilhança com a qual o filme se compromete com a época em que se passa – em qualquer contexto, qualquer espaço, pouco evoluindo a partir dos contatos com as demais internas, ou vice-versa.
Dessa forma, o longa parte de um discurso interessante, ainda que longe de inédito, mas se mostra um desperdício de contextos e espaços prontos para abrigar uma enorme variedade de personagens. Embora se destaque pela produção e certos vislumbres de sua protagonista, há pouco que complemente a força que as coadjuvantes, em temática, deveriam tanto buscar. Ainda que o filme nos convide para dançar, ele nunca consegue aguentar a própria coreografia.