“ALIEN: ROMULUS” – O acertado retorno às origens
Seria injusto afirmar que ALIEN: ROMULUS não honra a franquia. Com a história se passando entre “Alien, o oitavo passageiro” (1979) e “Aliens: o resgate” (1986), há muitas homenagens aos seus precursores, superando com tranquilidade “Prometheus” (2012) e “Alien: covenant” (2017). A descoberta da produção é que a fidelidade às origens é o melhor caminho, e é justamente por isso que o final representa um escorregão.
Rain e seus amigos vivem em uma colônia espacial de onde pretendem sair para ter uma vida melhor. Para isso, entram em uma estação espacial abandonada e que só pode ser utilizada com a ajuda do androide Andy, que Rain considera seu irmão. No local, contudo, se deparam a forma de vida mais perigosa e aterrorizante que poderiam encontrar.
Como o próprio nome indica, a produção faz referência à lenda dos gêmeos Rômulo e Remo. Nesse sentido, o roteiro, escrito pelo diretor Fede Alvarez e por Rodo Sayagues, é repleto de simbolismos presentes no mito: a sobrevivência, a fundação de uma sociedade, a força da natureza, o laço fraterno e o poder. Por outro lado, o filme não trata da proteção maternal (a loba que amamentou os irmãos), tampouco da crença no sobrenatural (representado pelo augúrio na lenda). O que se torna um pouco problemático, todavia, é que os simbolismos são abordados de modo esparso, sem formar uma sequência bem estruturada de ideias (parece quase uma escolha randômica, ou abandonada). Ainda assim, a ideia governante repousa no embate entre poder e resiliência, o primeiro exprimido pela Companhia responsável pela exploração espacial, o segundo, pelos humanos que tentam sobreviver; tal qual se verifica já no longa de 1979.
Faz sentido que esse embate seja uma reiteração não porque o tema é central na franquia, mas porque Alvarez faz de sua obra tanto um filme novo quanto uma homenagem. Do filme de 1986 vieram frases de efeito famosíssimas como “eu prefiro o termo pessoa artificial” e “afaste-se dela, sua desgraçada”; de “Alien 3” (1992) veio o plano fechado em que são compartilhados na tela o rosto aterrorizado de um humano e a face do xenomorfo. Os sintéticos mais uma vez cumprem função muito relevante na medida em que, desde o filme de 1979, sua confiabilidade é duvidosa. Para além de uma participação especial surpreendente e muito boa, é fundamental o papel de Andy (David Jonsson) na narrativa, dado que a postura da personagem tem três momentos distintos. Sem nenhum trabalho de expressão até aqui, Jonsson foi um verdadeiro achado da produção: o desempenho do ator é excelente ao expor as nuances de Andy através de expressões faciais, entonação vocal e linguagem corporal, tornando-se mais ou menos robótico a depender do momento da personagem.
As demais personagens, entretanto, não alcançam o mesmo nível. Cailee Spaeny não vai mal como a protagonista, mas Rain não encanta em razão da vulnerabilidade (por outro lado, uma heroína forte talvez gerasse uma comparação injusta com a icônica Ripley). Tyler (Archie Renaux) é meramente o galã heroico; Kay (Isabela Merced) tem papel instrumental na trama; Bjorn (Spike Fearn) é o contraponto de Tyler (enquanto este representa a nobreza; aquele, a imprudência e a hostilidade, ao menos em relação a Andy); e Navarro (Aileen Wu) é bem irrelevante.
A estética criada por Alvarez traduz muito bem o hibridismo que propõe na obra: um terror bastante gráfico, uma ação que elastece a tensão ao máximo e um sci-fi que serve de ambientação. O design de produção e o de som acompanham muito bem os gêneros. No sci-fi, quando o grupo sai da atmosfera da sua colônia, os anéis do corpo celeste e o sol brilham de modo a causar maravilhamento, o que é acompanhado com os tons agudos e o ar épico da música. No terror, quando há intenso horror gráfico, o visual é gosmento e asqueroso e a trilha sonora usa ruídos que transmitem o medo das personagens. Na ação, a trilha musical é acelerada e são aproveitados os cenários que estimulam a adrenalina da cena, como corredores longos.
A mise en scène do diretor é ótima, em especial em cinco cenas. No prólogo, a música e o ritmo lento adiantam de maneira fidedigna o tom do filme. Na primeira cena de terror, o diretor alia uma iluminação avermelhada, ruídos de alarme, um cenário fechado, água e montagem acelerada para refletir a angústia das personagens. Em geral, inclusive, a tensão, que marca o longa, sobe com a iminência da piora da situação, como a colisão da estação especial, a munição prestes a acabar, o ácido podendo atingir algo ou alguém etc. A cena silenciosa para passar despercebido é outro exemplo de qualidade, ainda que nada inovadora. Por fim, as duas cenas com gravidade zero são excelentes: a primeira, em razão dos movimentos de câmera, que colocam o espectador como participante da cena; a segunda, pela relativa imprevisibilidade.
No que “Alien: Romulus” é fiel aos primeiros filmes, ele é um tributo muito competente (aliás, a tecnologia é imageticamente idêntica à dos primeiros filmes). Inovar geralmente é positivo ou mesmo necessário; aqui, porém, a inovação não funciona (o que não será explorado para evitar spoilers), já que aproxima o longa às decepções recentes. Como mencionado, o filme representa um retorno às origens, o que é o seu maior acerto (e o erro dos filmes de 2012 e 2017). Se também acertasse na inovação, seria incrível. O caminho a ser seguido, porém, já está claro para a continuidade da franquia.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.