“PLANETA DOS MACACOS: O REINADO” – A voracidade pelo próximo
Em 2011, “Planeta dos macacos: a origem” recomeçou uma franquia clássica com um olhar voltado especialmente ao sci-fi e ao drama. A continuação do reboot ocorreu em 2014, com “Planeta dos macacos: o confronto”, seguido por “Planeta dos macacos: a guerra”, em 2017, ambos com o mesmo diretor, Matt Reeves, e com o mesmo tom épico e bélico. PLANETA DOS MACACOS: O REINADO é uma agradável renovação da franquia, com erros e acertos em seu intuito de progredir.
Muitas gerações após César, o jovem macaco Noa está prestes a participar de uma espécie de ritual da sua aldeia. O inacreditável aparecimento de uma humana em seu caminho é, porém, o começo de uma aventura com valiosas lições para ele.
Há uma diferença de tom entre o que havia sido estabelecido antes e o que há agora. Com Reeves, tudo era grandioso e havia uma filiação clara aos filmes de guerra. Diversamente, Wes Ball prefere um tom aventuresco para a sua obra. É verdade que “O reinado” tem também seus momentos de (muita) ação, talvez em excesso. Porém, é nas cenas contemplativas e reflexivas (como quando Noah se impressiona com um enorme instrumento humano ou nos diálogos impecáveis com Raka) que se torna mais interessante, pois ganha personalidade própria. Afinal, não é fácil viver à sombra de uma trilogia elogiada.
O tom de aventura é encontrado mais no texto que na mise en scène, contudo o cineasta se mostra consciente de que seu protagonista está em uma jornada pessoal de descobertas e aprendizagem, ainda que não saiba disso. Um problema encontrado, todavia, reside nos efeitos visuais, que oscilam bastante no decorrer da produção (o que causa estranheza, pois Ball trabalhou mais nessa área do que na direção). Em planos fechados e diurnos, a maquiagem digital é soberba, tornando os olhares e as expressões faciais dos macacos assustadoramente humanas, sem ultrapassar a barreira do vale da estranheza. Soma-se a isso um brilhante desempenho de elenco (trabalho de movimentação corporal, entonações vocais etc.), sobretudo Owen Teague no papel de Noa e Kevin Durand no de Proximus: o primeiro, marcado por uma ingenuidade desconfiada e uma nobreza a ser descoberta; o segundo, por uma racionalidade (e uma tranquilidade) apavorante(s). Por outro lado, em planos abertos e noturnos – que, não por acaso, são vários, inclusive no clímax -, ou a visibilidade é francamente prejudicada, ou a aparência é de um videogame. Com isso, a aventura fica soturna mesmo quando não precisa, com aparência solar apenas na natureza, não na atmosfera.
No roteiro, Josh Friedman mantém uma linha de continuidade, apesar do lapso temporal. “O reinado” soa como um capítulo intermediário na franquia, não representando um recomeço porque ainda se ancora na história de César, o macaco protagonista da trilogia. Aproveitando-se dessa âncora de maneira positiva, o texto explora as variadas possibilidades metafóricas da franquia. Nesse sentido, Raka (Peter Macon, tão bom quanto Teague e Durand, apesar de a personagem ser restrita ao arquétipo do sábio) é o responsável por trazer ao texto uma alegoria sobre a religiosidade: segundo ele, os ensinamentos de César estariam sendo deturpados por um grupo de macacos que, apesar de afirmar seguir o primeiro ancião, agiriam em descompasso com os seus valores. A relação com o cristianismo é bastante evidente, o que é reforçado pelo nome do protagonista, referência explícita à famosa figura das religiões abraâmicas. Além disso, o roteiro tem um viés histórico-político: como se fizesse uma alegoria da transição da Antiguidade para o Medievo (o que é corroborado pela morte de César, não à toa, famoso imperador romano), características dos primórdios do feudalismo são incorporadas pelos macacos, notadamente a legislação consuetudinária (tradição germânica) e o colonato (tradição romana), além da divisão social. Politicamente, Proximus representa a prática do cesaropapismo.
De fato, há simbologias inteligentes. Entretanto, a produção poderia ser ainda melhor com personagens melhor elaborados e maior aprofundamento na transição histórica. Algumas reflexões surgem sem desenvolvimento, como é o caso da possibilidade de convivência entre humanos e macacos, algo que se torna elemento central apenas no terço final do longa (que é certamente o seu pior trecho, com inverossimilhanças notórias). Expressões como “Vale Além” e “o Vínculo” são esvaziadas diante de uma voracidade por chegar aos minutos finais, que parecem ser a verdadeira preocupação do filme. Se apostasse mais em construir e consolidar, ao invés de preparar, o nível da obra seria bastante superior.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.