“VERISSIMO” – A beleza do ordinário
Observar o que há de corriqueiro na vida parece ser o trabalho de qualquer cronista. Mas compreender o que há de fantástico, escondido por detrás das banalidades, não é algo perpetuado por qualquer escritor. Esse documentário sobre Luiz Fernando VERISSIMO demonstra bem essa habilidade imanente, atento às belezas mais cotidianas.
Acompanhando alguns poucos dias antes do octogésimo aniversário do escritor Luiz Fernando Verissimo, o filme explora o seu dia a dia escondido, dividindo a vida pessoal com um lançamento e comemoração iminente.
Dirigido por Angelo Defanti, a câmera do projeto oscila entre a proximidade e o afastamento, valorizando igualmente a clareza daquele que retrata e o preenchimento daquilo que o circunda. Em inúmeros planos o autor sequer é o foco de atenção: a residência calorosa, as brincadeiras da neta, a organicidade das relações familiares. Estas sim são os destaques.
Embora o dispositivo da entrevista penetre o filme em alguns momentos – e sempre em função da rotina de eventos do escritor, ainda que a montagem se responsabilize pela escolha do material -, inexiste o objetivo documental de se descrever aquela presença. As gravações se interessam muito mais pelo contato que a mesma estabelece com aquilo ao seu redor, frisando uma espécie de condicionamento mágico a Verissimo.
É como se a sua presença, velada em alguns casos, projetasse as situações cuja espontaneidade é preservada pelas lentes. Como se a neta que escuta as canções de um musical, as malandragens do pequeno Davi e os comentários cômicos sobre uma partida de futebol tivessem saltado de páginas assinadas pelo próprio Luis Fernando.
Ainda que possa pender a uma certa monotonia, é um exercício interessante se permitir navegar pelos quadros da fotografia de Angelo e Bruno Polidoro, que na aplicação da geometria da casa de Verissimo impõe o espaço como outro definidor daquelas fábulas. A precisão da hierarquia entre os elementos em cena, a escolha entre o visto e o não visto, é um conjunto que corrobora à especulação diante do que se vê. Uma obra, novamente, que não tenta definir seu objeto nem mesmo no resgate habitual da história de vida, convidando o espectador a navegar pelos corredores da casa e pela amplitude magnética daquela persona.
Nem por isso, todavia, o ritmo deixa de se tornar desafiador, especialmente no limiar que o filme trava entre o experimento e a falta de direção. Ainda que não esconda o seu senso contemplativo, “Verissimo” peca por manter quase sempre o mesmo tom. Seu formato é esclarecido com poucos minutos de duração, e não existe muito além para introduzir qualquer variação.
Embora possa parecer contraditório atribuir esse comentário a uma obra afiliada ao mundo das crônicas, àquilo que há de mais comum, a verdadeira oposição se faz justamente nesse apreço que seus autores parecem partilhar pelo ordinário. Esse último, aqui, não se faz pejorativo, mas muito pelo contrário: é essa admiração pelos pequenos detalhes, que tornam esse recorte extremamente palpável, que não é acompanhada, ao longo, por novas proposições.
Não existe um senso de progressão, a não ser o determinado pelas cartelas que indicam a cronologia. Nem por isso essa homogeneidade acaba conprometendo as experimentações. Ainda assim, é um deleite repensar nosso modo de observar o tempo, reservando uma parcela a enxergar o mundo através dos olhos de Verissimo.
Se permanecermos nessa esfera, todavia, é de se apontar que o filme não tenta elucidar quaisquer mecanismos de escrita da parte do autor, partindo apenas do pressuposto de sua vasta obra, difundida através de crônicas, roteiros de televisão, livros infantis, entre outros formatos. A leveza de sua assinatura acaba expressa pelo clima da produção, especialmente no retorno constante à inocência das crianças ali presentes.
As últimas se tornam um signo recorrente, ocupando o extremo oposto da esfera etária, concedendo uma espécie de completude na relação que a obra também estabelece com a passagem do tempo. Sempre, novamente, marcada por planos longos e estáticos, que valorizam uma passagem orgânica e permitem um certo naturalismo aos registros.
Sendo assim, tem-se um filme que aposta na valorização daquilo que há de mais belo no corriqueiro, explorando a sua persona título por uma abordagem distante dos documentários tradicionais. Mesmo alcançando alguma comodidade dentro do seu próprio formato, o longa encanta pela paciência em valorizar os pequenos detalhes que moldam a vida: as pequenas fantasias que inscrevemos uns nos outros.