“CONTRA O MUNDO” – Videogame não é cinema
No que CONTRA O MUNDO é bom, ele é razoável. No que ele é ruim, porém, é muito ruim. Sem originalidade, sem profundidade e com um humor assustadoramente imprestável, o longa é um banho de sangue que equipara a linguagem dos jogos de videogame à cinematográfica, tendo, contudo, cenas de ação geralmente satisfatórias.
O protagonista do filme é creditado como “Boy”, um jovem cuja mãe e a irmã foram assassinadas pela ditadora Hilda Van der Koy. Surdo e mudo, mas expressivo e imaginativo, ele deseja se vingar. Depois de anos treinando com Xamã, um guerreiro misterioso, chegou a hora de matar Hilda e livrar todos de seu regime opressor.
Moritz Mohr tem na produção o seu primeiro longa, transmitindo uma estranha sensação de autoconfiança exacerbada, como se o filme fosse melhor do que realmente é. As cenas de ação são geralmente boas, mas nada fascinantes; o banho de sangue camufla a falta de criatividade (exceção feita pela cena do ralador). Com bastante gore, o diretor se apropria, inadvertidamente, de linguagens que careceriam de uma adaptação habilidosa (o que não ocorre aqui) para o cinema, como o ruído de grilo no esconderijo vazio ao qual Basho (Andrew Koji) leva Boy (algo caricato demais para o tipo de filme, usado bastante em desenhos animados, por exemplo) e, principalmente, as incansáveis referências a jogos de videogame, em especial de luta. Há referências expressas verbais bastante conhecidas (fatality, game over etc.) e imagéticas (corpos decepados), com inspiração evidente em “Mortal Kombat” (a franquia de jogos). Entretanto, isso mascara o quão vazio o filme é em sua essência.
Como mencionado, as cenas de ação, em sua maioria, têm qualidade, com boas coreografias, boa decupagem, uso inteligente de movimentação em estilo parkour e movimentos de câmera algumas vezes imersivos. Contudo, a construção das cenas deixa a desejar, por exemplo, quando a trilha musical que acompanha a adrenalina é fajuta (a luta entre Boy e June é o maior exemplo), e o design de produção, paupérrimo (de todos os lugares possíveis, um bunker é o mais decepcionante para o clímax, e também o mais fácil para a equipe). Soma-se a isso a suspensão da descrença em níveis estratosféricos, dado que os tiros de metralhadora jamais alcançam o protagonista nem ao menos quando ele se encontra estático (vilão algum encontrou soldados tão ineficientes quanto esses). Quanto às simbologias, a obra demonstra poucos recursos. Por exemplo, parte do treino de Boy com o Xamã (Yayan Ruhian) parece uma analogia com o mito de Sísifo, porém Sísifo foi condenado por tentar enganar os deuses e se livrar da vingança de Zeus, ao passo que Boy planeja, ele mesmo, uma vingança, o que sugere alegorias não muito inteligentes.
Essa “escassez de inteligência” está presente em larga medida no roteiro, creditado a Mohr (história), Arend Remmers (história e script) e Tyler Burton Smith (idem). A narrativa é mal construída, tentando fazer piada com a própria limitação, como se isso fosse positivo. É o que ocorre com o plano de Boy e sua “equipe”: o texto finge brincar que tudo aconteceu ao acaso, em uma vã tentativa de dissimular a própria preguiça em elaborar uma progressão lógica que coloque o protagonista junto à antagonista, Hilda (Famke Janssen, tão envergonhada com o papel que aparece apenas poucos minutos). Esse exemplo também se relaciona a um dos principais, talvez o principal, problemas do longa: seu humor excessivamente infantil e nonsense. É plenamente possível fazer humor desse tipo com alguma perspicácia, como na franquia “Deadpool”. Aqui, todavia, o humor é, no mínimo, terrível: da piada com as corujas (cuja dignidade não merecia tamanha afronta) ao irritante idioma de Bennie (Isaiah Mustafa), a comédia é uma tentativa patética cujo ápice (a cena do abacaxi) beira o intelectualmente ofensivo.
A premissa do filme é uma história de vingança, como inúmeras outras já vistas, a partir de uma prática política de um regime totalitário no qual pessoas são mortas para servirem como exemplo. A elaboração da ideia, que é promissora, se revela muito aquém à da franquia “Jogos Vorazes”, cuja construção de mundo é imensamente superior. A parte política, nesse sentido, é desperdiçada em um início, talvez, auspicioso, com elementos interessantes como a alienação, a narrativa e o pão e circo.
No papel principal, Bill Skarsgård se esforça para, quase teatralmente, alargar as emoções do protagonista, o que faz sentido quando considerado seu backstory. A ideia da voz over é sagaz, porém a presença constante de Mina (Quinn Copeland) atrapalha as cenas ao tirar o foco não apenas de Boy, mas também do espectador (e pior: sem graça nenhuma). É perceptível que “Contra o mundo” tem virtudes, porém os defeitos as superam, parecendo mais um videogame do que um filme.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.