“KUNG FU PANDA 4” – Quando a nostalgia não faz bem
Há uma ironia triste em KUNG FU PANDA 4: um de seus temas principais é a frustração, mas é justamente esse o sentimento que o filme estimula no espectador. Em que pese ao estímulo nostálgico, há uma confusão entre inspiração, referências e clichês, criando um paradoxo no qual a nostalgia tem um gosto amargo.
Depois de ser escolhido como o novo Líder Espiritual do Vale da Paz, Po precisa encontrar e treinar seu sucessor, o novo Dragão Guerreiro. Enquanto isso, surge uma nova vilã: a Camaleoa, uma feiticeira capaz de se transformar em qualquer antagonista já enfrentado por Po. Sua única ajuda é Zhen, uma raposa recentemente presa ao tentar furtar artefatos antigos.
Comparando os quatro longas animados, certamente o quarto é o pior. O roteiro é, como nos três anteriores, escrito por Jonathan Aibel e Glenn Berger, dessa vez com Darren Lemke no lugar de Ethan Reiff (coautor dos roteiros precedentes). No micro, a profundidade textual da franquia é mantida, seja pelas metáforas (como a do caroço), seja pelos ensinamentos (por vezes demasiadamente) didáticos (frases como “a mudança nem sempre precisa ser uma coisa ruim” e “às vezes os melhores pratos vêm dos ingredientes mais improváveis”). Existe uma sagacidade afiadíssima, que pode passar despercebida, em falas como “não é fugir, é o meu método” e “mais violência depois”. É nos diálogos, portanto, que residem as maiores virtudes do script.
De outro vértice, do ponto de vista narrativo, o roteiro é bastante pobre, a começar pela sua premissa ultrapassada de colocar ao lado de um herói irrepreensível alguém associado ao crime. Essa ideia é reciclada de filmes recentes de super-herói, como “Aquaman 2 – o reino perdido” e “Thor: o mundo sombrio”, que também reciclaram-na de comédias dos anos 1980, como “48 horas”, e assim por diante. Isso não é necessariamente um problema, mas se torna um problema quando a relação entre Po e Zhen se mostra fadada a uma trajetória (e a um final) radicalmente previsível. Toda a trama já é conhecida: ele não confia nela no começo, ela se surpreende com a sua bondade (como ao dividir um biscoito), a retidão dele se choca com o desvirtuamento moral dela (a cena da taverna) e assim por diante.
A direção da franquia variou um pouco de filme para filme; dessa vez quem assume é Mike Mitchell e Stephanie Stine. A dupla compreende que empregar referências enriquece o longa: no prólogo (uma estética similar à de Mordor), na primeira cena em que a Camaleoa mostra seu visual real (semelhante a “Kill Bill – volume 1”), na destruição reiterada do carrinho de jacas (como os repolhos do desenho “Avatar – a lenda de Aang”, o que é repetido no live-action) etc. O que se torna negativo é o fato de que as referências, incluindo as autorreferências, preenchem todo o conteúdo da produção, esvaziando o que poderia (e deveria) haver de novidade. No visual e na trilha musical, por exemplo, há uma coerência em relação aos filmes anteriores que atiça uma sensação de nostalgia por parte do público, porém a direção não consegue ser inventiva em quase todo o tempo. As cenas de luta, por exemplo, são boas, mas não impressiona.
“Kung Fu Panda 4” soa como um reaproveitamento da sua história pregressa. Por vezes, o humor funciona, como nas vozes mentais, no jeito atrapalhado de Po e de seu pai Li e nas personagens secundárias inusitadas (o capitão do navio, os coelhinhos tão encantadores quanto assustadores…). Entretanto, a falta de personalidade da vilã prejudica bastante a trama, sendo ela mesma um clichê sobre a inveja. O filme tenta abordar a frustração como temática (o mestre Shifu se frustra por não ter sido escolhido no lugar de Po, o protagonista se frustra por precisar sair de sua zona de conforto), contudo é bastante superficial nessa abordagem, que não sai do que fica aparente (isto é, quais as consequências das frustrações, salvo em relação à Camaleoa?). O aprofundamento não seria necessário se a opção fosse priorizar o medo de Po, contudo esse receio é completamente ofuscado pelo seu foco integral nas tarefas de Dragão Guerreiro. Se o protagonista esquece ou ignora seu medo, isso também ocorre com o espectador.
Por fim, a dublagem nacional conta com adaptações vocabulares bastante oportunas (palavras como “fuzuê” e “enfezado”). Os profissionais escolhidos, em sua maioria, são bons, tanto aqueles que são da área, como Leonardo Camillo (Shifu) e Alexandre Maguolo (Ping), quanto atores de bom desempenho, como Lúcio Mauro Filho, novamente como Po, e Danni Suzuki, como Zhen (no original, o papel é de Awkwafina, cuja voz tem semelhança). Entretanto, a participação de Taís Araújo no papel da Camaleoa é muito ruim, com entonações nada assustadoras e distantes do caricatural inerente à animação. A atriz ajuda a atrapalhar a experiência.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.