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“UMA VIDA – A HISTÓRIA DE NICHOLAS WINTON” – Merecimento

Nenhuma história de filantropia deixa de ser cativante em razão da falta de ineditismo. Ainda que o conteúdo não seja plenamente novo, sua transliteração artística (literária, cinematográfica etc.) permanece interessante, desde que justificada, evitando a mera repetição do que já foi visto antes. Nessa ótica, UMA VIDA – A HISTÓRIA DE NICHOLAS WINTON se justifica aquém do ideal.

No início da Segunda Guerra, o britânico Nicholas (“Nicky”) Winton ajudou a salvar centenas de crianças refugiadas da Tchecoslováquia. O filme acompanha a sua empreitada, na época, e como está a sua vida, anos depois.

(© Diamond Films / Divulgação)

A narrativa é dividida, no roteiro de Lucinda Coxon e Nick Drake (a partir do livro de Barbara Winton), em duas linhas temporais bastante distintas, gerando um problema de conexão (para além do óbvio) entre elas. A primeira, no cenário da Guerra, serve para contar o que Winton fez para salvar as crianças; a segunda, quando ele já está idoso, consegue emocionar apenas ao final, sendo bastante vazia até alcançar esse final. Enquanto naquela ocorre a ação, nesta o texto parece “ruminar” informações desimportantes para alcançar o clímax, diante de um enorme vazio. Exemplo disso está na cena em que participa Jonathan Pryce, praticamente um Easter egg de “Dois papas” que, se retirado do longa, não faria diferença.

Esse problema é gerado provavelmente em razão do elenco. A versão jovem de Nicky é vivida por Johnny Flynn, que se empenha no papel, mas não tem o mesmo impacto de Anthony Hopkins, intérprete da versão idosa. Para torná-los parecidos, Flynn usa óculos redondos para arredondar seu rosto, tal qual o formato do rosto de Hopkins. Além disso, a seriedade é idêntica. Há, contudo, um desnível de talento. O longa fica em um beco sem saída, entretanto, na medida em que Hopkins esbanja esse talento apenas ao final, ao passo que Flynn protagoniza a trama principal. A solução para dar espaço àquele sem deixar que este domine o filme todo é dar à versão idosa momentos contemplativos sem grandes repercussões. Isso elastece desnecessariamente o filme. Por outro lado, é recompensador acompanhar a habilidade descomunal daquele que já foi um dos mais repugnantes e assustadores vilões do cinema, Hannibal Lecter (“O silêncio dos inocentes”), em se transformar no modesto humanitário Nicky Winton.

Ironicamente, o elemento humano deixa a desejar no filme, que não aprofunda as suas personagens secundárias. A atuação de Helena Bonham Carter, por exemplo, é muito boa (sobretudo nas cenas de persuasão), mas a personagem em si é superficial. O elenco tem crianças muito expressivas, como Ella Novakova (os olhos expressivos e profundos de Lenka são tocantes) e Frantiska Polakova (o sorriso de Vera, apesar do contexto, é um alento), mas individualmente elas não são relevantes. A pessoalidade ganha espaço, todavia, na motivação de Nicky, que se torna convincente à medida que reitera seu altruísmo autossuficiente. Ele afirma ter fé em pessoas comuns porque é uma pessoa comum; diz que deve ao menos tentar fazer algo simplesmente porque pode. Sua determinação é inabalável, fato que se torna fundamental para envolver o público e demonstrar que ele foi um filantropo no sentido mais puro da palavra. Com razoável sagacidade, essa humanidade é contraposta à lógica midiática, uma vez que a mídia não age por altruísmo. Na primeira passagem (o The Times), as motivações da imprensa não são reveladas; na segunda, há uma ácida ironia, em dois momentos, relativa aos interesses da mídia; na terceira, ela é reduzida ao entretenimento.

A perspicácia para questionar as motivações da imprensa não ocorre com os governos: o presidente dos EUA é mencionado rapidamente; o governo britânico é indiretamente enaltecido. O tema da imigração e dos refugiados, tão pujante nos dias atuais, recebe uma breve menção de xenofobia por carta. “Uma vida” é o primeiro longa (para o cinema) de James Hawes, que não apresenta um trabalho ruim, mas sem encanto. Além da timidez temática, a estética é meramente razoável. O campo de refugiados de Praga tem uma atmosfera adequadamente sombria (céu acinzentado, fotografia com cores escuras, neve, figurino de frio, pessoas chorando, crianças tossindo, música dramática), consideravelmente distinta da de Londres (fria também, mas com cores mais claras); nada, contudo, que já não tenha sido visto antes. Há inclusive clichês gritantes, como as cenas na estação de trem, em que as crianças se separam dos pais (acenos, mãos nas janelas, mais música dramática etc.).

O que realmente comove é a interpretação de Anthony Hopkins, que é realmente um gênio da atuação. O legado de Nicky Winton deve ser enaltecido e transmitido ao grande público, porém, enquanto filme, não há nada que não tenha sido visto antes (o exemplo mais famoso, provavelmente, é “A lista de Schindler”). O público e o próprio Winton mereciam mais.