“MERGULHO NOTURNO” – Nascente rasa, fluidez ruim
Os problemas de MERGULHO NOTURNO começam com seu título: o terror que desenvolve não depende de mergulho, mas de nado (razão pela qual o nome original, “Night swim”, é mais preciso), e não ocorre apenas à noite. Bom seria se fosse apenas essa a falha da produção, que cria um terror preguiçoso e inconsistente.
Ray Waller precisou se aposentar do beisebol em virtude de uma doença. Recomeçando sua vida, ele se muda com a esposa e os dois filhos para uma nova casa cuja piscina pode representar diversão para as crianças e exercício físico para ele. Aos poucos, a família descobre que um poder oculto repousa sob aquelas águas.
O filme é uma versão ampliada de um curta homônimo dirigido por Rod Blackhurst e Bryce McGuire e roteirizado pelo segundo. Para o longa, ambos criaram a história e McGuire assinou a direção e o roteiro, em um trabalho, todavia, aquém do potencial. O curta tem pouco mais de três minutos e não consegue criar uma narrativa bem elaborada (inclusive pela duração, evidentemente), porém a ideia que há por trás dele não é das piores. O longa, diversamente, não demonstra nada criativo e apto a cativar o espectador – salvo quando se fala da parcela do público ávida por jump scares vazios. Isso, de fato, o filme possui, com sustos mecânicos idênticos, em termos de linguagem cinematográfica, a incontáveis outros filmes de terror. A fórmula já é sabida (silêncio ou trilha de suspensão em volume baixo e movimentação lenta, seguidos de uma ação rápida com a trilha sonora acelerando e/ou aumentando de volume), mas repetida sem pudor.
Em geral, McGuire é pouco criativo. Como é de se esperar, por dentro da piscina, aparecem vultos desfocados que, na realidade, não são nada concreto. São inúmeros os clichês, do animal que sofre com a assombração – e alerta os humanos a seu respeito (o que é quase um fetiche em alguns filmes de terror) – à trilha musical. Além disso, algumas vezes o filme se torna pouco crível mesmo em se tratando de uma fantasia: é possível aceitar que as águas são mal-assombradas, mas não que elas não molham. Em um claro erro de continuidade, logo após saírem da piscina na cena noturna, Izzy e Ronin já estão parcialmente secos, expondo um interregno de filmagem que não corresponde ao tempo diegético. Como se não bastasse, algumas assombrações beiram o risível. Existem, entretanto, lances minimamente interessantes, como a ideia do corte da mão de Ray no ralo (previsível, mas bastante simbólica), o exercício de pegar moedas no fundo da piscina (uma alegoria sobre comprar um desejo) e o clímax, que se destaca não pelo terror, mas pelo suspense e pela ação.
Se a mitologia criada fosse menos precária e mais sólida, o longa não deixaria transparecer sua indecisão, primeiro, quanto ao objeto assombrado, se a piscina ou a água (tudo leva a crer que é a água, o que torna péssimo o encerramento da trama), e, segundo, quanto aos limites dos poderes sobrenaturais (que alcançam objetos inanimados sem relação com água, havendo ainda uma possessão demoníaca que colide com a proposta da mesma mitologia). Dramaticamente também há muitas falhas, com flashes sobre família que são episódicos ou apenas desconexos (por que Eve fala sobre solidão, que sequer é tema do filme?).
Em sua maioria, as personagens são abandonadas, meramente funcionais ou simplesmente ruins. Izzy (Amélie Hoeferle) inicia um arco próprio, que, contudo, é esquecido depois de seu ápice (e não seu desfecho propriamente). Eve (Kerry Condon), além de não ter muita personalidade, existe somente para fazer com que as engrenagens narrativas se movimentem, sobretudo ao final. Kay (Jodi Long) talvez nem tenha o status de personagem, mas, nesse caso, não faz sentido atribuir-lhe uma personalidade de humor sem graça. Como nome principal do elenco, Wyatt Russell tem bom desempenho, demonstrando que a frustração de Ray faz com que negligencie os filhos. Sua relação com a Izzy é nula; com Ellie (Gavin Warren), é de egolatria plena (na escola, se empolga mais com o próprio protagonismo; na festa, deixa de procurá-lo para se divertir; quando Ellie pede companhia para nadar, é recusado porque Ray está treinando; além disso, descredibiliza o filho pelo trauma na piscina). Russell se esforça bastante e isso faz diferença, mas o desfecho de Ray, da forma como é trabalhada, é incoerente.
A estética de McGuire não é integralmente ruim, com planos imagética e sonoramente instigantes na piscina, aproveitando a água e a possibilidade de manipulação do espaço (uso das cores, luz, vapor etc.). Entretanto, tudo isso é desperdiçado por uma ideia extremamente rasa em sua nascente e que não flui bem ao desaguar.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.