“TURMA DA MÔNICA: LIÇÕES” – Este inimigo, o tempo
“Apesar de ser infantil, é um bom filme”. “Turma da Mônica: Laços” recebeu comentários assim quando de seu lançamento em 2019. Parecia necessário inserir a locução “apesar de” com a ideia de contrariedade para justificar a experiência com o filme. Ao mesmo tempo, o universo lúdico e infantil seria, necessariamente, um traço negativo como se o período da infância ali retratado fosse uma espécie de inimigo. Dois anos depois, TURMA DA MÔNICA: LIÇÕES incorporou a passagem do tempo como o antagonista de Cebolinha, Mônica, Magali e Cascão de forma menos cômoda que a primeira frase desse parágrafo.
Os pais dos quatro amigos acreditam que eles passam tempo demais juntos e, por isso, desentendem-se e fogem das responsabilidades do amadurecimento. Após mais um plano infalível de Cebolinha falhar e Mônica engessar o braço, a menina é transferida para outra escola para viver novas experiências e conhecer novos colegas. A partir do momento em que o grupo se separa, cada jovem precisa enfrentar suas próprias inseguranças para fortalecer sua amizade e compreender o sentido do crescimento.
É natural imaginar que os adultos alertariam os personagens principais sobre a necessidade de amadurecimento. A mãe de Mônica cumpre esse papel, dando ao referido processo um caráter limitante ou negativo. Ao presenciar as divergências das crianças nos ensaios para a montagem de “Romeu e Julieta” no Festival do Limoeiro, exclama em tom reprovador ‘Vocês não vão crescer nunca?!’. E quando tenta convencer a filha a trocar de colégio, argumenta que ‘Crescer é fazer novos amigos’, não enxergando a distância dos velhos amigos como algo que faria falta. Porém, os jovens também se sentem impelidos a cogitar mudanças ou relativamente descontentes com suas características pessoais. Cascão questiona a criação de mais um plano infalível que fracassa, Magali sente os efeitos da compulsão alimentar, Cebolinha não se sente satisfeito por ter conseguido se tornar o que ele chama de dono da rua e Mônica sente certo cansaço com o medo de água de Cascão, a fome inesgotável de Magali e o desejo de Cebolinha de ter tudo de seu jeito.
Daniel Rezende também trabalha o peso do amadurecimento através de recursos simbólicos. Em uma sequência em que os pais encontram seus filhos reunidos e os levam embora para lados diferentes, o diretor detém a câmera por alguns segundos a mais nos brinquedos vazios da praça em planos que remetem à desolação do que parece ser o fim da infância. Além disso, alguns símbolos são adicionados à narrativa para evocar aspectos da trama: as famílias de Mônica e Cebolinha não se entendem tal qual as famílias Capuleto e Montecchio de “Romeu e Julieta“, obra encenada pelos quatro amigos para o festival local; em uma aula no novo colégio, Mônica escuta a professora explicar a transformação pela qual a borboleta passa ao sair do casulo, algo que se aproxima da nova fase de sua vida; e o coelho de pelúcia Sansão representa a própria infância de sua dona, indecisa se continua ou não com ele, se continua ou não apegada ao seu lado infantil. Nem todos os símbolos precisam ser originais, pois dentro de sua simplicidade ou comunicação direta funcionam para os conflitos em questão.
Mônica mudar de colégio é o elemento disparador para o desenvolvimento da história em múltiplos sentidos, todos eles tendo em comum o problema da passagem do tempo para outro estágio de vida. Os conflitos podem ser gerais ou particulares para cada personagem. Se não se pode manter os mesmos amigos sempre por perto e a a mesma dinâmica de infância eternamente, todos eles precisam lidar com as mudanças que ocorrem. Cebolinha, Cascão e Magali devem se adaptar à escola sem amiga, inclusive quando um valentão persegue os dois meninos. Já Mônica deve se acostumar a um ambiente novo, ainda sem amigos e também com um valentão que zomba de Sansão. Simultaneamente, Cebolinha trabalha sua língua presa indo a uma fonoaudióloga enquanto executa um plano para ter sua amiga novamente por perto, Magali tenta encontrar estratégias para conter a ansiedade que se converte em compulsão alimentar, Cascão é forçado pelos pais a encarar seu medo de água da maneira mais imediata possível e Mônica precisa equilibrar o crescimento natural da idade com as mudanças pelas quais passa.
Boa parte da força dos arcos individuais e da trama geral se deve ao entrosamento e o carisma dos atores mirins. Desde o primeiro filme, Daniel Rezende foi hábil em traduzir visualmente as características dos quatro personagens principais de Maurício de Sousa nas cores dos figurinos, nos hábitos de cada um e na dinâmica entre eles. Na continuação, o trabalho é ampliado porque preserva a dimensão aventureira, cômica e lúdica essencial para a narrativa e acrescenta uma abordagem dramática maior. Giulia Benite e Kevin Vechiatto são aqueles que mais precisam mobilizar o drama da separação e fazem Mônica e Cebolinha se depararem com emoções pouco conhecidas até então, como acontece na cena em que ele conversa com a amiga pela janela do quarto. Laura Rauseo até pode trabalhar o humor em sua atuação, mas há espaço também para o drama de quem vê a melhor amiga se afastar e sofre de ansiedade. E Gabriel Moreira explora predominantemente o humor, em especial, por conta de suas interações com um menino novo que conhece, o Do Contra das histórias em quadrinho.
Enquanto a carga emocional depende da espontaneidade dos atores, o engajamento da produção com o espectador se intensifica. A seleção de elenco e o desenvolvimento de cada jovem em seu respectivo personagem produzem uma experiência encantadora e leve, da qual se torna difícil não acompanhar suas trajetórias sem empatia pelo que passam. No entanto, algumas soluções esquemáticas são colocadas pelo roteiro, apoiando-se, principalmente em mensagens edificantes que aparecem com o intuito de transmitir uma lição de moral ao público infanto-juvenil. A entrada de Isabelle Drummond, vivendo Tina, é um exemplo visível desse esforço para dar um sentido positivo para o crescimento e a chegada da adolescência, que se contraponha ao que parecia ser uma representação negativa no princípio. Frases como ‘Crescer é legal’ e “Não precisa deixar de ser criança para crescer’ apresentam didaticamente o que já era construído através de cada cena relacionada ao coelho de pelúcia.
Mesmo que as redundâncias formulaicas apareçam vez ou outra, o clímax na apresentação da peça de Shakespeare sintetiza muito bem a ideia que “Turma da Mônica: Lições” tem para o tempo, para a passagem da infância para a adolescência. Combinando humor e drama, este momento não faz do tempo um inimigo a ser confrontado. Ao invés disso, o crescimento para outras fases da vida engloba mudanças que podem ocorrer sem ser drásticas e permanências que não precisam ser teimosias inconscientes de quem teme o novo. Cebolinha, Mônica, Magali e Cascão podem, eventualmente, se transformar sem que isso faça deles indivíduos opostos às identidades criadas por Maurício de Sousa. O tempo apenas será vilão para quem insistir que um filme será bom, apesar de ser infantil. O primeiro filme foi bom por ser infantil. E o segundo também é bom por ser um pouco mais maduro.
Um resultado de todos os filmes que já viu.