“MAMONAS ASSASSINAS – O FILME” – Cultura brasileira musical mal refletida no audiovisual
A banda Mamonas Assassinas era ótima, o que, todavia, não se refletiu em MAMONAS ASSASSINAS – O FILME. Artificial, incoerente e com erros técnicos grosseiros, o longa não faz jus ao legado deixado pelo grupo, cujo breve sucesso foi suficiente para deixar uma marca na cultura brasileira.
Antes de Dinho, Júlio, Bento, Samuel e Sérgio formarem a banda Mamonas Assassinas, eles precisaram se unir e superar até mesmo uma animosidade entre o primeiro e o último. Desacreditados e em condições adversas, o sonho do sucesso foi o motor que os catapultou a uma ascensão meteórica que os tornou inesquecíveis.
Dirigida por Edson Spinello, a produção dá uma aula do que não deve ser feito em matéria de montagem. Nesse quesito, o trabalho de Rodrigo Daniel Melo estraga o que já não tinha muita qualidade, sendo nada menos que letal. O excesso de montagem paralela torna o filme confuso e bagunçado, com um igual exagero de sequências elípticas que criam um frenesi claramente deletério. Para além de erros de continuidade gritantes, o ritmo quebradiço criado por Melo derrete por completo qualquer atmosfera que Spinello poderia criar.
É grave o fato de que o filme não tem respiros. Mesmo considerando a energia alucinante da banda, sua explosão contagiosa não pode se refletir em uma cinebiografia dessa forma. Há exceções, como a cena em que Sérgio janta com a namorada (um romance quase convincente) e, olhando de forma benevolente, a cena da entrevista (quando os cinco mostram alegria, humor e entrosamento), mas a regra é o mencionado frenesi que esvazia o impacto das cenas. Assim, quando as namoradas terminam os relacionamentos, não há tempo para uma consequência dramática, o filme já prossegue para a sua continuidade. Igualmente, quando Samuel e Sérgio brigam, ignorando a limitação dos atores, a cena é demasiado breve e seguida da reconciliação, de modo que a discussão se torna inútil.
Portanto, o filme não dá ao espectador tempo para, em seus pouco mais de noventa minutos, absorver as emoções que pretende transmitir, da comédia ao drama. No começo, da apresentação à mudança de “Utopia” para “Mamonas Assassinas”, há uma dose mínima de eficácia, porém o desenvolvimento da segunda é decepcionante. Há relances das brainstorms que levaram a equipe às suas canções, porém, na maioria das vezes, resta uma lacuna, como se as composições surgissem de geração espontânea (ao invés de construção). É o caso, por exemplo, da icônica “Pelados em Santos”, explicada como o resultado de uma “gozação” que não é exibida para o público.
No roteiro, Carlos Lombardi cria uma narrativa que transita entre desnecessidades (para que Dinho é humilhado por Jussara? Por que ele flerta com Fânia?) e clichês (o encanto instantâneo de Dinho por Adriana, o triângulo envolvendo Sérgio), não sendo capaz de criar mais do que três personagens e, em razão disso, tornando-se incoerente. O protagonista, naturalmente, é Dinho, vocalista da banda, muito bem interpretado por Ruy Brissac (talvez o que o filme tem de melhor). Suas características marcam presença: o conforto ao exibir o próprio corpo (seja ao pedir carona em via pública, seja em rede nacional), a desinibição de subir ao palco e cantar em inglês sem pleno domínio do idioma (mas demonstrando talento ainda assim), o gosto por imitações (o que dá ao filme sua minúscula dose de nostalgia) e, claro, a irreverência incomparável. Contudo, seus relacionamentos com personagens satélites são subdesenvolvidos. Renner Freitas não chega ao nível de Brissac no papel de Sérgio, mas ao menos a personagem tem uma característica de personalidade (é temperamental) e um subplot (o triângulo mencionado), o que é mais que os outros da banda.
O que torna o filme incoerente é o fato de que os outros três da banda são irrelevantes, enquanto o produtor Enrico (Ton Prado, tão bom quanto Brissac) ganha proeminência. É ele quem tem as ideias principais, aconselha Dinho quando ele precisa e norteia a banda em relação a quase tudo. Samuel (Adriano Tunes, em atuação sofrível) tem algumas falas, os outros dois saem praticamente calados da telona. O problema não seria, ainda, de difícil solução: poderia ser explicado por que Júlio (Robson Lima) e Samu tingem o cabelo, além de mostrado o vínculo entre Bento (Alberto Hinoto) e sua mãe. Do contrário, no primeiro caso, tem-se o retrato da realidade sem nada substancial, e, no segundo, o que foi pensado para ser tocante é de uma insignificância sem igual. Por a lição sobre a importância do grupo, e não de Dinho isoladamente, não consegue convencer porque, da forma como o filme expõe, ele é a estrela solitária, reforçando essa incoerência do longa.
Não se desconsidera que Spinello busca fidelidade, sobretudo nos figurinos que marcaram os Mamonas Assassinas e, às vezes, no caráter trash que o grupo assumidamente tinha (o que é mencionado expressamente não pelos integrantes, mas por Enrico, e, visualmente, nos cabelos e nas animações). Entretanto, sua obra é marcada pela artificialidade, considerando as cenas sem emoção (aliás, a falta de alma é algo que, ironicamente, Enrico cita em certo momento), e por constituir um recorte mal feito de um verdadeiro evento da cultura brasileira.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.