“PLANO EM FAMÍLIA” – A dificuldade de se tomar riscos
Talvez inferior ao desgosto que um filme possa causar, esteja a indiferença. A manutenção de um mesmo estado durante a duração total de um projeto costuma indicar as obras mais esquecíveis, e que em nada agregam ao uso da Sétima Arte. Por mais que a familiaridade e a reciclagem de recursos não determine, necessariamente, a derrocada de um projeto, infelizmente é o que torna PLANO EM FAMÍLIA totalmente passageiro.
Inserido em sua vida pacata como pai de família, o vendedor de carros Dan Morgan esconde um grande segredo: sua antiga função como assassino de aluguel para operações do governo americano. Quando ameaças de seu passado colocam sua esposa e filhos em perigo, ele convence todos a partir em viagem enquanto tenta encontrar uma novo equilíbrio entre duas versões de si.
Dirigido por Simon Cellan Jones, há pouco na produção que alavanque a sua principal característica: a comédia. Isso está longe de dizer que o filme não alcance bons momentos cômicos e esteja totalmente desprovido de boas ideias. Ainda que não seja inédita, o dilema das duas identidades encontra um Mark Wahlberg que aparenta estar se divertindo no papel, contrastando com a aparência de boa parte dos personagens construídos em sua carreira.
No funcionamento orgânica da família enquanto elenco, são dualidades como essa que trazem algum charme para o longa, nos convencendo a investir minimamente nessas figuras por mais superficiais sejam os seus desenvolvimentos enquanto personagens. Isso permite o surgimento de momentos ímpares, que não estão necessariamente conectados com o andamento geral da trama. Exemplos disso são a cena em que pai e filho jogam laser tag e os pontos de relaxamento protagonizados quase que exclusivamente pelos adolescentes.
Ainda assim, tais passagens são minoria diante da necessidade quase desesperadora da obra em entregar uma duração mínima. Quase tudo ali parece estar conectado em uma conjuntura pouco convincente, entre os quais merece destaque o próprio disfarce do protagonista. Quem escreve é grande defensor da suspensão de descrença autorizada pelo audiovisual, imerso em suas próprias regras de libertação através das imagens e de fantasias internas construídas obra a obra.
Nesse caso, todavia, o absurdo de determinadas situações – e que acontecem de maneira isolada, dentro da atmosfera de thriller de ação que tenta ser vendida em alguns momentos – é elaborado muito parcialmente, dissociado da totalidade morna do projeto. Não é dizer que essas cenas trazem um brilho distante do restante da produção, considerando que a priorização de planos fechados, que picotam ações e deslocamentos, na montagem, torna pouco compreensivas as coreografias de ação. É o caso de reforçar a pouca inventividade do filme em seu modus operantis de saturação.
Por mais que existam acertos no timing cômico entre personagens, chama a atenção, ainda, como a maior parte das piadas se concentra no texto escrito, inserida a diálogos que pouco se espelham na maneira como a direção pensa a utilização de espaços e a dispersão de seus atores por através dos mesmos. Característica essa que, por mais que esteja pendendo a um infeliz desuso geral, seria ainda mais conveniente se considerada a trama em seu flerte com o cinema de ação.
Lançado diretamente no AppleTV+, o filme exemplifica um sucateamento que vem sendo orquestrado há tempos dentro do contexto dos serviços de streaming. Com uma iluminação próxima da luz de serviço – são poucas as luzes que aparentam ter sido realmente planejadas , o filme traz um visual morno que há tempos tem sido replicado nessa nova mídia. Essa impressão é menos um problema direto dessas novas plataformas que um sintoma geral dessa fragilização técnica, submetida a prazos cada vez mais impossíveis de produção e consumo. Não bastasse, claro, a forma como essas lógicas se expressam no roteiro já mencionado.
Mais do que imagens bem acabadas ou sequências impressionantes, é um clichê verdadeiro falar do cinema como conexão e plataforma de sentimentos universais. Mas “Plano em família” revela uma ferida sistemática sobre esses dois eixos, trazendo personagens rasos e situações abjetas em sua maneira de se relacionar com o espectador. O mais triste é perceber que o filme naufraga não por suas tentativas, mas pelo contentamento com a própria mediocridade.