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“JOGOS VORAZES: A CANTIGA DOS PÁSSAROS E DAS SERPENTES” – Mais minutos em Panem

“Para que servem os Jogos Vorazes?”, pergunta a dra. Gaul ao jovem Snow mais de uma vez. Estendendo o questionamento para o próprio filme JOGOS VORAZES: A CANTIGA DOS PÁSSAROS E DAS SERPENTES, quinto filme e prequel da franquia respectiva, para que ele serve? Aparentemente, para explicar melhor o backstory do grande vilão dos quatro filmes lançados antes, a versão já idosa – e maligna – de Snow. Se é verdade que essa explicação é apresentada, não é menos verdade que ela não impressiona ou comove. Logo, o filme acaba servindo melhor a outro propósito.

Aos dezoito anos de idade, Coriolanus Snow está distante da figura tirânica que governa Panem, mas já é um estudante promissor para os interesses da capital. Interessado em um prêmio para quem se destacar na nova edição dos Jogos Vorazes como mentor, seu tributo é Lucy Gray Baird, uma garota do vulnerável Distrito 12.

(© Paris Filmes / Divulgação)

A escolha de Suzanne Collins para os nomes das personagens de seu livro – no qual Michael Lesslie e Michael Arndt se baseiam para o roteiro – é representativa, porém em versão fracionária. Snow significa neve em inglês e simboliza a frieza do aqui protagonista, entretanto sua versão jovem ainda não a possui. O nome Coriolano vem da tragédia escrita por Shakespeare na qual um general romano é escolhido como cônsul para pacificar o povo, revoltado e acometido pela fome. O Coriolanus de Collins não é o mesmo Coriolano de Shakespeare, é uma variante branda e até mesmo frágil, ao menos no começo. O que há do mundo antigo no longa é seu design de produção, com edificações suntuosas e colunas altas, estátuas e chafarizes claramente inspiradas na arquitetura greco-romana.

Tom Blyth vive Snow com ambiguidade impecável. Ao mesmo tempo em que é o galã descamisado que seduz e salva a donzela em perigo, não se pode esquecer daquilo que ele fatalmente se tornará. Há elementos do futuro presidente Snow, como a adoração a rosas, o que é ressignificado para fins românticos, porém a sua postura inicialmente derrotista em nada se assemelha a ele. Progressivamente, Blyth molda em seu semblante (juntamente com a caracterização visual) uma figura cuja perversidade reflete o que Collins sugere como natureza humana (ou de alguns humanos). É interessante que “Coryo” (até mesmo seu apelido é terno!) esteja em um cabo de guerra entre uma avó (Fionnula Flanagan) que reitera um discurso elitista e uma prima (Hunter Schafer, infelizmente subaproveitada em um papel com potencial) compassiva, representações de um conflito de gerações.

A donzela em perigo, Lucy Gray Baird (Rachel Zegler), tem bons momentos, mas não é aprofundada. Assim como a Virgília de SHakespeare, ela tenta trazer um senso de humanidade ao seu amado, porém o que dá brilho a Zegler não é propriamente a personagem, cuja autonomia é reduzida, mas os momentos em que canta. Com sua primeira aparição, ela rejeita um maniqueísmo, depois, todavia, faz o mesmo que Sejanus (Josh Andrés Rivera): interage com o protagonista para impulsioná-lo de alguma forma e reforça que o mundo se divide entre bons e maus. No segundo grupo estão a dra. Volumnia Gaul (Viola Davis, em um papel pouco desafiador) e o reitor Highbottom (Peter Dinklage, ainda mais unidimensional). Aquela tem boa caracterização (o vermelho vivo das luvas de látex e da roupa degradê, a ausência de sobrancelhas…), apenas, este é um vilão simplório.

Na parte estética, o diretor Francis Lawrence, já bem habituado à franquia, mantém a coerência, como ao repetir canções e o lado gráfico da pomposa capital, apimentada por vermelho vivo (os uniformes dos estudantes, a bandeira sobre os corpos), e do pobre e cinzento (os uniformes dos pacificadores, os prédios) Distrito 12. Ignorando que o cineasta não resistiu a easter eggs dispensáveis, seu modo de filmar é competente, com establishing shots adequados para apresentar Panem e spinning shots em cenários similares ao Panóptico de Bentham, cujo simbolismo dispensa digressões. O romance de Coryo e Lucy Gray é abordado com delicadeza, com uma cena idílica (a da árvore) muito bonita. Tais características quase ofuscam o CGI pobre (que cobras são aquelas!?), o chroma key que deixa a desejar quando a câmera se movimenta e a violência sem uma gota de sangue.

É importante que não tenha ficado de fora a ideia de naturalização e, mais ainda, espetacularização da barbárie. Torna-se relevante, assim, o dizer “aproveitem o show” ao adentrar no “picadeiro”. Ao contrário do que se espera, os Jogos não são o mainstream de outrora, o que traduz a noção de que até mesmo o desumano entedia. As pessoas da capital se consideram civilizadas e, portanto, acima daquelas dos distritos, mesmo que para isso precisem mentir às custas de outrem, como faz Clemensia (Ashley Liao). O filme erra, porém, ao pouco expor os distritos. A primeira parte é a melhor porque explora um dos lados, a segunda é superficial ao apresentar o outro. A terceira, por sua vez, é um alongamento de uma narrativa mal pensada, criando novos conflitos e situações que não são boas surpresas. O resultado é um filme muito mais longo do que o necessário e que não provoca grandes sentimentos a respeito do protagonista que almeja detalhar. Porém, cumpre outra função, dissimulada: dar à fanbase mais minutos em Panem.