“EXCURSÃO” – Não vai muito longe [47 MICSP]
Para algumas pessoas, falar mentiras pode ajudar a consolidar uma imagem pública pretendida. Isso se torna ainda mais comum na adolescência, em que a maneira como é visto é um bem valioso. É essa a premissa de EXCURSÃO, em que uma mentira faz uma viagem, sua protagonista, nem tanto.
Ao jogar “verdade ou desafio”, um grupo de adolescentes de Sarajevo pergunta a Iman se é verdade que, como diz Damir, um vizinho, eles tiveram relações sexuais. Depois de confirmar o fato – que, todavia, não corresponde à verdade -, Iman sofre consequências além do que esperava.
A sinopse do roteiro de Una Gunjak (que também dirige o longa) dá a entender algo que não acontece – ironicamente, algo que não corresponde à verdade. De fato, a história tem consequências maiores e mais graves que as imaginadas por Iman, que queria apenas um status social, algo coerente com a adolescência, fase em que a experiência sexual e afetiva eleva esse status. O que decepciona em “Excursão” é a ausência de intensidade, qualidade relevante na medida em que apenas mais ao final a “bola de neve” criada por Iman lhe acarreta maiores dificuldades. A narrativa se constrói a partir da mentira inicial e da paixão platônica da garota por Damir, de modo que seu ânimo e principalmente seu comportamento dependem dos momentos em que a mentira é incrementada (novos fatos, novas explicações etc.) ou da sua interação com o rapaz. A montanha-russa de emoções sugerida pelo incidente incitante não apresenta muitos altos.
O que a diretora faz com maior esmero é retratar (a sua visão d)a adolescência, a começar por atividades infantis como brigar com o irmão, ouvir música com a amiga e, claro, jogar “verdade ou desafio”. Iman guarda com sua melhor amiga Hana uma relação quase de dependência (afirma ir à excursão apenas se ela for, vai à sua casa quando mais precisa…), uma sororidade muito diferente da relação da protagonista com as outras colegas. Visualmente, Gunjak coloca Hana em jaqueta roxa para associá-la a um perfil mais pueril, sobretudo quando contraposta à jaqueta jeans de Iman, que quer ser vista como adulta (o que é corroborado pelas unhas). Ao menos para as pessoas de fora da família, Iman se mostra desse modo, certamente as colegas não conhecem as paredes estreladas da pintura de seu quarto.
O que Iman acha que quer é ser vista como adulta, o que ela realmente deseja é chamar a atenção de seu círculo. Quando Hana fala “não sou como você”, em uma primeira camada, denota-se a ausência dessa vontade; com mais profundidade, contudo, percebe-se um seio familiar bem distinto. Se os professores são diferentes entre si (um deles compreende que adotar a linguagem dos alunos facilita a comunicação), naturalmente, os pais também o são, de modo que Iman tem no avô a figura por quem guarda o maior afeto. As expressões das duas também são bastante distintas, uma vez que a protagonista tenta sempre transmitir autoconfiança ao passo que sua amiga transmite certa fragilidade.
“Excursão” trabalha também com a construção de um imaginário, o que pode ser exemplificado pelos atos voyeuristas de Iman e mesmo as histórias que narra para as colegas a partir da sua imaginação. Porém, isso não é muito bem desenvolvido, a despeito do mencionado potencial da história. Parece que Gunjak ficou com receio de tornar sua obra mais sombria ou dramática, evitando emoções mais intensas ao desviar do suspense e, principalmente, do drama. Nas atuações ocorre o mesmo, na punch scene não há um impacto relevante. Desse modo, o que a cineasta evitou é uma jornada emocionante, uma caminhada mais longa, uma verdadeira excursão pelo território da adolescência.
* Filme assistido durante a cobertura da 47ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.