“ELAS POR ELAS” – Coletânea superficial
O formato das antologias tende a ser um interessante recurso para o agrupamento de pequenas histórias conectadas por uma temática em comum. Apesar de nem sempre ser comum dentro do audiovisual, ele permite o alinhamento de diferentes vozes, escolhidas para dar força umas as outras através de conexões nem sempre tão óbvias. Essa polifonia tende a oferecer diversas perspectivas sobre um mesmo assunto, relativizando a maneira de se observar certos tópicos. ELAS POR ELAS tenta oferecer um panorama múltiplo a partir das condições autorais de seus curtas-metragens, mas a disparidade entre os seus formadores pesa contra o conjunto estruturado.
Composto por sete narrativas, todas dirigidas por cineastas mulheres, o filme acompanha trajetórias de empoderamento feminino, bebendo de variados estilos, fontes e influências. Do realismo à animação, por exemplo, o projeto contempla desde observações mais realistas até ponderações mais lúdicas a respeito de dinâmicas feministas e demais esferas voltadas a essa figura na sociedade. Esteja tratando sobre identidade de gênero, tensões relacionadas ao papel da maternidade, rótulos sociais ou mesmo debates mais gerais, como reflexos da contemporaneidade tal como os efeitos da pandemia, é motivador testemunhar o palco que o longa concede às verdadeiras vítimas da maior parte das dificuldades retratados.
Nem por isso, todavia, a direção múltipla não consegue ordenar um panorama orgânico, que evidencia uma falta de maior planejamento na arbitrariedade com a qual certas ideias oscilam entre si. Quase não há diálogo, por exemplo, entre o drama prisional que abre a coletânea, dirigido por Taraji P. Henson, e a observação da vida de uma mãe e seus dois filhos pequenos, conduzida em ritmo menos dramatúrgico na direção de Mipo Oh’s, e que explora também alguns traços sutis da cultura oriental. Não que essa variabilidade seja o problema em si, mas a falta de uma coesão, ainda que não literal, encerra algumas das discussões pretendidas dentro de si mesmas.
Merece destaque, por exemplo, a liberdade poética que o indiano “Sharing The Ride” assume, flertando com um cinema de dimensões mais oníricas e de dilatação do espaço e tempo em que se insere. Talvez o mais destoante dentre os curtas, todos ancorados, em alguma instância, em um lugar mais formulaico de estruturação e montagem, não se pode ignorar os méritos na forma como o conto questiona a posição feminina pela abstração das memórias e experiências da protagonista. Mas nem por isso o seu distanciamento em relação aos demais deixa de pesar contra o todo.
Não que a uniformidade seja um critério obrigatoriamente positivo, porém a ausência de um reconhecimento subtextual de conexão entre as histórias acaba negando, mesmo acidentalmente, um reconhecimento da universalidade de todas essas mulheres.
É claro que a individualidade de cada uma das personagens em muito agrega no processo de identificação, não apenas complexificando as questões discutidas como também, e algo talvez cada vez mais distante, permitindo a essas figuras vivenciar trajetórias que não tocam somente assuntos delicados.
Em outras palavras, é comovente a história vivida pela atriz Anne Watanabe, por exemplo, que valoriza tempos menos encenados mesmo que ainda inseridos numa lógica de início meio e fim. Existe nesse conto, dirigido pela diretora japonesa citada anteriormente, um senso raro não de problematizar esse lugar, mas sim valorizar traços pacientemente algumas das implicações da maternidade, ainda que não totalmente livre de um senso critico.
Por conta disso, o filme acaba um tanto eclipsado por essa vasta coleção de tentativas, nem sempre plenamente alcançadas. Atuações super pacientes, e que exploram pequenas nuances faciais das personagens, como a entregue por Cara Delevingne, são também afastadas do tempo necessário para amadurecer, simplificadas pela curta duração de suas aparições.
Embora seja injusto simplificar as intenções culturais e sociológicas do projeto, essa miscelânea entre incursões de maior experimentação, histórias narrativamente seguras, e contos com clara carga de conscientização que quase beiram à panfetagem, a indefinição acaba sendo o principal fruto de “Elas por Elas“. Inconstante, o filme oscila entre boas intenções e o lugar comum, se valendo pelos momentos mais inovadores por mais que o todo esteja próximo do esquecimento.